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quinta-feira, 1 de junho de 2023

HISTÓRIA E CULTURA: Carlo Ginzburg.

Carlo Ginzburg

O historiador italiano Carlo Ginzburg nascido em Turim, em 1939 é descendente de uma família judia, é especialista em estudos sobre os processos da Inquisição no período compreendido entre os séculos XV e XVII; no Brasil ficou conhecido pelos trabalhos publicados: O queijo e os vermes, Os andarilhos do bem, Mitos, emblemas, sinais. Conhecido professor na Universidade de Bolonha e UCLA, no Brasil palestrou na Unicamp, USP, UFRJ, onde concedeu a Alzira Alves de Abreu, Ângela de Castro Gomes e Lucia Lippi Oliveira onde discorre a entrevista que fala de sua vida, formação, influencias das próprias obras e a relevância dos temas historiográficos.

Alzira Alves inicia a entrevista pedindo para que Ginzburg fale de suas origens familiares e culturais. Ele começa dizendo que seus pais eram intelectuais, seu pai Leone Ginzburg havia nascido na Ucrânia (Odessa) e se mudou para a Itália ainda pequeno, quando adulto foi professor de literatura russa, em 1932 não jurou obediência ao regime fascista e se demitiu; em 1934 tornou-se um opositor ao regime e em Turim foi preso por dois anos.

Abrizzi
Com o inicio da guerra, ficou visado e foi transferido para o interior do país, nesse ínterim Ginzburg desfrutava de sua infância na cidade de Abrizzi. Em 1943 com a destituição de Mussolini pelo rei, seu pai voltou a Roma ocupada por nazistas, por causa de sua luta antifascista, foi preso e morreu em uma prisão alemão dois anos depois na capital italiana. Sua mãe Natalia Ginzburg era filha de um importante histologista e a paixão dela era escrever romances.

Vindo, portanto de uma família de intelectuais, admitia o privilegio cultural, mas pelo fato de ser judeu, sofreu perseguição na guerra, isso lhe traz lembranças sofridas sobre esse período; em seguida Alzira Alves lhe questiona onde ele havia feitos seus estudos, ele responde que iniciara seus estudos em Turim, depois Roma na Universidade de Pisa, era semelhante à Escola Normal Superior da França, essa escola oferecia dentre as disciplinas ensinadas: matemática, física, letras e humanas.


Universidade de Pisa
Na Universidade de Pisa, ele cursou letras e filosofia onde realizou sua dissertação de história. Depois, Lucia Oliveira lhe questiona o porquê estudar história: Ginzburg responde que essa escolha remontava a sua infância quando ele sonhava em ser escritor por influencia de sua mãe, depois queria ser pintor e na pintura mostrava seu amor pela arte; na Escola Normal em Pisa, começou a pensar em trabalhar na história da literatura.

Nessa mesma escola conheceu um historiador medievalista chamado Arsênio Frugoni, era autor de um livro sutil e inteligente que tratava sobre um herege queimado pela Igreja Romana no século XII, por isso o interesse pela literatura. Ao conhecer os Annales, seu primeiro contato ocorreu com Marc Bloch no seu Os reis traumaturgos, até então um livro não muito conhecido, posteriormente com a introdução de Le Goff e com a reedição de Gallimard é que o livro virou uma obra prima. Entre seus percalços, Ginzburg trabalhou como tradutor do livro: Características originais da história rural francesa, embora hesitante seguisse com a tradução do livro.

Depois de Bloch, leu ainda Frederico Chabod, um historiador italiano que tratava da história religiosa de Milão no século XVI e as primeiras reações da Reforma Protestante; nesse livro, o autor revela o contato com uma minuta oficial com frases cujo verso falava sobre a predestinação rabiscada, onde revelava alguém, um funcionário anônimo talvez, por ventura ser o autor daquelas frases, desenhos obscenos ou pelas palavras soltas.

Alzira Alves
Alzira Alves lhe pergunta então se esse foi o motivo dele estudar história, ele automaticamente responde que sim, um ano depois ele escolheria outro tema para seus estudos, decidindo então pelas feiticeiras e não pelas perseguições sofridas por elas; sua escolha na época parecia pouco usual, mas fora o tema escolhido por ele. O autor fala ainda que não se deva ter vergonha de ser um ignorante diante de algo novo, pois, o interessante esta justamente em não saber sobre novos assuntos e para isso não se deve temer o desconhecido, afinal, segundo ele, o verdadeiro perigo estava quando a pessoa teria adquirido o conhecimento pleno e se tornado competente. 

Em um questionamento, perguntam - lhe se ele sofreu algum tipo de influencia religiosa, prontamente Ginzburg responde que não, embora seu pai não fosse religioso e sua mãe não fosse religiosa velada, seu avô era positivista, portanto, nunca teve educação religiosa, mesmo depois que Mussolini obrigou as escolas italianas a ministrarem a religião católica.

 

Alzira Alves pergunta ainda porque a religião foi importante para seu projeto, ele diz que foi importante por que estudou os fenômenos religiosos e estes são ligados à história; Ângela Gomes lhe questiona novamente sobre o motivo de pesquisar as feiticeiras, ele diz mais uma vez da relevância de estudar os fenômenos religiosos, pois a idéia de trabalhar com marginais hereges podem estar ligados ao fato dele ser judeu, por isso a escolha pelas feiticeiras e seu histórico de perseguição, destacando o fato deste não ser sua pesquisa e sim elas. Outro elemento que contribuiu para a escolha foi à fascinação que as fadas exerciam sobre ele, esse era um elemento profundo diante da escolha, afinal quando criança, sua mãe sempre lhe contava historias de fadas. 

Bernadetto Croce

Lucia Oliveira pergunta sobre a citação de Croce, e se Vico também serviu de influencia nos anos de estudo para sua formação, Ginzburg diz que sim, esse foi um grande clássico para ele, clássico esse redescoberto no inicio do século XIX, posteriormente ele cita Pavese a respeito da utilização de suas metáforas que o fascinavam ainda mais e do modo como ele era influenciado por Vico.

Ainda na esposta, o autor fala do livro Dialoghi con Leuco e seu contexto sobre o dialogo dos personagens mitológicos aqui retratados como seres vivos; depois cita Tolstoi e sua Guerra e paz, March Block novamente, e Dostoievsky como os que se destacaram por mais tocá-lo. Fez menção também sobre Aby Warburg, descendente de uma família rica alemã e sua história onde constava ser o filho mais velho e teria dito ao irmão mais novo que ele poderia ficar com todas as prelazias e riquezas de direito de um filho primogênito, desde que ele tivesse todo o dinheiro para comprar o livro que quisesse. 

Fritz Saxl
Fonte: https://www.babelio.com/

Em 1929 morreu no dia do racha da bolsa de Nova Iorque, seu sucessor Saxl, também apreciador de artes, transferiu a biblioteca para Londres, já como sinais do flagela nazista, provavelmente isso tenha ocorrido nos idos de 1931, a biblioteca existe até hoje na capital inglesa. Continuando com seu relato, Ginzburg diz que em 1964 ganhou uma bolsa de estudo e foi morar um mês em Londres, depois de um exaustivo trabalho, voltou para a Itália carregado de livros, ele diz que tanto em seu país como no Brasil, seu trabalho foi percebido pelo publico através dos Annales, esse elemento foi sem duvida um dos marcos mais importantes para ele.

Bill Mont

Na capital inglesa foi estudante de Cantimori que lhe mandou falar com um velho conhecido seu, nada mais do que Eric Hobsbawm, pelo fato dele ser tímido, esse encontro não ocorreu naquele dia, mais tarde o próprio Hobsbawm escreveu sobre seu primeiro livro Os andarilhos do bem. Dando continuidade a entrevista, Lucia Oliveira lhe pergunta como era a inserção dele com os intelectuais no mercado internacional, Ginzburg responde dizendo ser uma pergunta bem colocada, pois isso iria além de sua pessoa, e cita Os andarilhos do bem como exemplo, de 1966, onde saiu um resenha no Times Literarty Supplement assinado anonimamente por Hobsbawm, depois venho Bill Mont, um historiador americano que também trabalhou com feitiçaria, historia espanhola, inquisição dentre outros estudos no seu trabalho da Biblioteca de Humanismo da renascença; o Queijo e os vermes também foi elogiado por Braudel.

Ainda segundo o Ginzburg, os temas históricos são justificados por eles mesmos, através de suas abordagens especificas, dizendo que quando se escreve um livro sobre determinado assunto no caso citado da Revolução Francesa, ele pode ser bom ou ruim, sem a necessidade de justificar a idéia de escrevê-lo. A historia muda se for escrito no caso um livro sobre algum, por exemplo, o moleiro do século XVI, o personagem deve ser justificado na sua abordagem, isso significa mudanças profundas ao historiador do fato, a necessidade de justificá-lo por tanto, é por si só uma explicação que já existia no contexto, por isso das conseqüências históricas produzidas por ele serem abordadas regionalmente, podendo assim ter suas obras transcritas em vários idiomas.

Delio Cantimori

Seus livros estão ligados a essas transcrições, diferenciado-se de escritores que tendem a escrever para o publico profissional, isso significa uma linguagem para entendedores do assunto, quem não sabe do que se trata, pode perder detalhes importantes sobre o assunto abordado, dentre esses atores ele cita Cantimori, por apresentar uma leitura cheia de “meandros”, Ginzburg por sua vez diz que sua leitura se diferencia por ser escrita para profissionais e para o grande publico em geral. Essa idéia significa um fim em si mesmo, afinal, ele pode dividir com pessoas que não sejam do meio idéias, resultados, pesquisas além do caminho a se percorrer, desse trabalho a pesquisa segundo o autor pode ser mais prazerosa do que o próprio trabalho.

Ângela Gomes agora lhe pergunta se a inserção de seus livros teria sido mais fácil no meio intelectual que tenderia a valorizar a história das mentalidades, da história social, o autor diz que pelo fato de ter trabalhado com temas que não falassem necessariamente da história nacional, sob certos aspectos foram otimizados na tradução de seu livros, ainda mais se tiver a oportunidade de viajar, de conhecer a pluralidade de outras culturas, do espaço físico sempre foi algo que não passou despercebido por ele.

Só do fato de saber que tanto no Japão ou no Brasil existem ilustres desconhecidos, para ele, isso é lindo, o que torna seu trabalho ainda mais atraente, pois as pessoas estão realmente ligadas com seu trabalho, daí a necessidade de controlar o que esta escrevendo. Nessa jornada, ele cria efeitos, controla as leituras, lê sempre o que esta escrevendo, quando no Brasil, percebe essa diferença, através da reconstrução de seus livros com os elementos de nossa terra, outro detalhe que para ele é fundamental é a comunicação não ser perfeita, isso o deixa mais feliz a ponto de realizar suas viagens por causa do fascínio que isso lhe proporciona.

 

Alzira Alves agora lhe pergunta sobre seu ultimo livro: Storia Noturna. Ele diz que é de longe o livro mais longo até então escrito por ele, demorou em torno de 15 anos, com intervalos, destacando que não foi um livro simples de produzir e de escrever, mesmo tendo toda a paixão pela pesquisa, o livro aborda o problema do sabá histórico e morfologicamente, dividindo-o em partes, onde a primeira parte é histórica, onde o sabá é visto como reunião de feiticeiras pelos inquisitores, juízes, essa reunião é vista como um complô na perspectiva histórica de entendê-las do por que delas serem vistas como hostis a sociedade, a segunda parte é a morfológica, onde ele tenta compreender o vôo mágico e a metamorfose dos animais e há ainda uma terceira parte, onde é feita a comparação entre as duas operando suas convergências através das conjunturas eurasiáticas, e sua relação histórica devidamente documentada.

Alzira Alves para finalizar, diz que gostaria de ouvir dele sobre a evolução da história na Itália, e se realmente estria ocorrendo hoje essa renovação, ele diz que é uma questão difícil de responder, pois o fascismo sempre esteve presente na vida dos italianos e representeou o fechamento intelectual de toda uma geração, para a sua geração, isso foi aliviado com as expectativas das viagens feitas.


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Referência:

GINZBURG, Carlo. Entrevista a Hermes Araújo. Revista Projeto Histórico nº 10.

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