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sábado, 31 de março de 2012

O Cabido da Sé da Bahia.


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“Sic volo, sic jubeo, sit ratione voluntas": “Assim quero, assim ordeno, a razão de meu querer é a minha vontade”.


A Documentação do Cabido da Sé da Bahia:
Novas Possibilidades de Pesquisa.
RENATO SILVEIRA


Artigo apresentado à Banca Examinadora para obtenção do título de Graduado em História (Licenciatura e Bacharelado) pela Universidade Católica do Salvador – UCSal, sob a orientação do Professor Doutor Cândido da Costa e Silva.

RESUMO: O laboratório de restauração e conservação Reitor Eugênio Veiga (LEV/UCSal), responsável por custodiar os documentos históricos produzidos pela Cúria Metropolitana de São Salvador da Bahia, recebeu, em segundo semestre de 2009, para que fossem encaminhados os devidos cuidados, parte de uma nova documentação, então pouco conhecida e pouco pesquisada: a documentação do Cabido da Sé da Bahia. Em um primeiro momento, para que possamos compreender como essa documentação foi produzida, apresentar e discutir a própria instituição é necessário, buscando compreender suas funções e sua relação com o Arcebispo, com a Sé Catedral, com a cidade do Salvador e mesmo com a arquidiocese por inteiro. Feito isso, constitui objetivo deste trabalho, apresentar e discutir esta mesma documentação, especulando novas abordagens e possibilidades de pesquisa.


SUMMARY: The restoration and conservation laboratory RectorEugenio Veiga (LEV / UCSal), responsible for guarding the historical documents produced by the Curia Metropolitana de Sao Salvador da Bahia, received in the second half of 2009, were directed to the appropriate care, the a new documentation, then little known and little-researched: the documentation of the Cathedral Chapter of Bahia. At first, so we can understand how this documentation was produced to present and discuss the institution it self is necessary in order to understand their roles and their relationship with theArchbishop, with the Cathedral, with the city of Salvador, and even with the Archdiocese in full. That done, objective of this work is to present and discuss the same documents by speculating new approaches and research possibilities.



PALAVRAS-CHAVES: Cabido; Capitulares; Cônegos; Sé Catedral; Igreja; Bahia; História; Documento.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS OU A GÊNESE DO CABIDO BAIANO

25 de fevereiro de 1551. O Papa Julio III, em Bula Super Specula Militantis Ecclesiae, estabeleceu os limites do território diocesano e nele a igreja do Santo Salvador como Sé Catedral, dotando-a “do quanto necessário fosse ao decoro do culto”, que, “servida de um colegiado capitular ou Cabido, com seus auxiliares, se constituísse em paradigma para as outras igrejas”[1] – sob atenção e cuidados de um bispo local. Está escrito:

...E a povoação em cidade e a Igreja do Santo Salvador em Igreja Catedral, com a mesma invocação sob um só bispo que deverá ser chamado de São Salvador, o qual deverá presidir à mesma Igreja, ampliar os seus edifícios e dispor à maneira de Catedral, e na mesma erigir os que lhe parecer acertado, dignidades, canonicatos e outros benefícios eclesiásticos com ou sem cura d’almas, e instituir tudo o que convier ao serviço de Deus e ao seu culto...[2]

Conferiu “ao bispo o que é próprio do seu ministério”, escreveu Cândido da Costa e Silva, concedendo-lhe poderes e jurisdições, “de que os bispos usam”, em mais terras e regiões do Brasil, enquanto não fosse criado outro bispado. Assim, desligou o novo bispado de São Salvador da Bahia da obediência ao bispo de Funchal integrando-o, agora, ao conjunto de dioceses sob a supervisão direta do Arcebispo de Lisboa.[3]

Zelando por sua manutenção [a do bispo] e de seus auxiliares mais diretos, determinou que às mesas episcopal e capitular fossem dados uma soma de quinhentos cruzados “para dote desta e das dignidades e de outros benefícios eclesiásticos por erigir e instituir”[4] – que seria arrecadada a partir dos dízimos e direitos existentes nas terras e regiões pertencentes ao Rei João III, e que poderia pagar anualmente os ditos quinhentos cruzados ao bispo e às dignidades e mais cônegos da Igreja de São Salvador.

A Bula Super Specula Militantis Ecclesiae, consagrou, ainda, “o estatuto do padroado régio para a Igreja da Bahia e no Brasil [...] de modo categórico”, segundo Silva. Ali, o Rei é apresentado como perpétuo administrador, espiritual e temporal, da milícia de Jesus Cristo, bem como delegado da Santa Sé e Grão-Mestre, dela, pro tempore existentis. A Carta de Dom João III, dada em Almeirim, em 4 de dezembro de 1551, evidencia o fato:
...que o dito Bispado seja de minha apresentação, e dos Reis meus successores, e que o Bispo, que ora novamente, e os que ao diante se proverem do dito Bispado sejam providos á minha apresentação, e dos ditos Reis meus successores, que pelo tempo que forem... [5]

À mesma apresentação eram obrigados o deão e as outras dignidades, os cônegos, e outros beneficiados: e foi com o parecer real que o bispo, ora provido do dito Bispado [...] creou [...] para Regimento da dita Sé, e administração dos Officios Divinos em ella as Dignidades seguintes sómente por parecer que não são mais necessarios ao presente: Um Deão; um Mestre Escola; um Chantrado, uma Thesouraria, e seis Conezias, e dois Moços do Côro; e ordenou, que cada uma das ditas Dignidades haja em cada um anno vinte mil reis de Ordenado, e mantimento; e a cada Conezia doze mil reis; e assim que houvesse seis Capellães, que houvessem cada um oito mil reis de mantimento, e os moços do Côro quatro mil reis em cada um anno para que a dita Sé pudesse ser servida dos Divinos Officios em ella celebrados, como convem á Igreja Cathedral...[6]

Instalada a Sé Catedral, com tudo o que lhe parecia certo, e por direito, encaminhava-se, tranqüilamente, a vida religiosa dos cristãos católicos aqui no Brasil.

O CABIDO DA SÉ DA BAHIA[7]

A origem dos cabidos remonta os primeiros tempos do cristianismo – é o que afirma Caio Boschi, que, também, determina as suas atribuições, quando em discussão o cabido de Mariana:

Nas suas origens, eram organizados sob a forma de comunidades de clérigos seculares que praticavam a vita apostolica, isto é, dedicavam-se à leitura do martirológio, do necrológio e de artigos de regras monásticas ou canônicas, incumbindo-se das atividades litúrgicas mais solenes das catedrais, ou seja, da celebração solene do culto divino no coro dessas igrejas, a começar por rezar as horas canônicas, e assumindo [algumas vezes] funções de coadjuvação no pastoreio episcopal.[8]

A principal função dos cabidos era, mesmo, a do tipo litúrgico, competindo-lhes a manutenção do culto solene nas catedrais, através da participação cotidiana dos seus membros nas horas canônicas e na missa capitular. Enquanto colegiado, o Cabido incorporava a função de assessorar o bispo em seu governo, (em)prestando-lhes assistência e conselhos, talvez, na imposição de penas eclesiásticas, ou dando parecer sobre a anexação e/ou venda de bens – produzindo, aqui, grande parte da documentação que discutiremos adiante.

Em 1718, D. Sebastião Monteiro da Vide, apresentou os “Estatutos da Santa Sé da Bahia”, ajuntando o “Regimento do Coro da Sé”, para “dispor a forma de rezar”. Ele justifica:

...e achando que nossos Reverendos Irmãos Deão, Dignidades, e Cabido se governavão sómente pelo estylo não havendo até gora Estatutos escritos, certos, e determinados que se houvessem de guardar, de que resultava mudar-se e tal estylo em a variedade dos Prebendados, de que se seguia pouca attenção do serviço de Deos nosso Senhor, falta nos Offícios Divinos, assistencia nas funções publicas, resultando grave escandalo nos seculares vendo a sua Cathedral sem a observancia e cerimonia que nas do Reyno com muito louvor inviolavelmente se observão.[9]

E, com o consentimento do Cabido, aprovou, junto a eles, o dito Estatuto. Estabeleceu os Ministros da Sé; o hábito de que deveriam usar os Cônegos; os livros que deveriam haver em cartório; como as dignidades e cônegos deveriam jurar o dito Estatuto antes de serem investidos de seu cargo; a ordem que as dignidades e cônegos teriam nos assentos – e quem precede quem; o modo que se vencem as distribuições cotidianas e as folhas das horas; as missas que cada um dos capitulares é obrigado a dizer; as missas conventuais; como seriam contados os doentes; os dias em que os beneficiados seriam contados por luto; os dias em que se faria cabido e a ordem que nele haveria; etc.

O Regimento do Coro da Sé, também burocrático, estava direcionado mais diretamente ao culto. Dividido em primeira e segunda parte, determina, em princípio, o que pertence, em particular, a cada um dos capitulares da Sé da Bahia; depois, a entrada, a assistência e saída do coro; as horas em que se deve estar em pé, de joelhos, e inclinar a cabeça; as matinas e laudes; a prima; a terça; a missa; a sexta; a noa; as vésperas; e as completas – enfim, todo o ofício.

Sobre os “Ministros da Sé” da Bahia, como foram apresentados, é preciso um minuto, para alguma discussão. Nomeados pelo Rei/Imperador, eram apenas dezoito os capitulares vitalícios, sendo cinco deles dignidades. Costa e Silva, em estudo sobre o clero oitocentista na Bahia, discutindo “os Cônegos da Sé primeira”, especificamente, descreve os passos para alcançar o canonicato:

Os trâmites começavam no requerer “a graça”, anexando o candidato sua folha de serviços prestados. Apunha o Arcebispo o seu parecer. Cabia a Mesa de Consciência e Ordens apreciar o mérito. Após a sua extinção, passou ao Ministério da Justiça através da seção de negócios eclesiástico que em 1861 foi transferida para o Ministério do Império. Seguiam-se o decreto imperial de nomeação, a carta imperial de apresentação, o ato confirmativo do Arcebispo e conseqüente colação do benefício, para finalmente, com a posse, investir-se no efetivo exercício.[10]

Para ser cônego, então, apenas uma prova de títulos; entretanto, para se tornar uma dignidade ou ascender em cargos/status na estrutura capitular, era suficiente a indicação do Arcebispo ao Imperador – e, assim, seguia-se o ritual de nomeação, da carta imperial de apresentação, do ato confirmativo e, conseqüentemente, da colação do benefício. Encontramos nos documentos do Cabido uma carta de apresentação de D. Pedro II em favor de Carlos Luiz d’Amour:

Dom Pedro, por Graça de Deus e Unanime Aclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brazil, Faço saber a vós Reverendo Arcebispo da Bahia que, Conformando-Me com a vossa proposta, Houve por bem, pelo Meu Imperial Decreto de vinte e sete de Março do corrente anno, Apresentar o Conego de meia prebenda da Cathedral Metropolitana Carlos Luiz de Amour em um Canonicato de prebenda inteira que se acha vago na mesma Cathedral, e que servirá como convêm ao serviço de Deus e bem da Igreja. E vos Encommendo que n’elle o confirmeis e lhe passeis vossas Letras de [...] na forma costumada, em que se fará expressa menção de como o confirmastes por esta Minha Apresentação, e com o mesmo Canonicato haverá o mantimento, proés e precalços, que legitimamente lhes pertencem. [...] Dada no Palácio do Rio de Janeiro em vinte de Abril de mil oitocentos e sessenta e seis, quadragesimo quinto da Independencia, e do Imperio.[11]

Em exercício, era responsabilidade do Deão (primeira das dignidades), por função do ofício, presidir o Coro e o Cabido, devendo fazer cumprir e guardar os Estatutos, impondo multas e penas aos faltosos de seus deveres. Cabia dar o sinal para se começar a rezar o Coro, e também para sair dele. Pertencia a ele, ainda, convocar o Cabido, não só nos seus dias ordinários, na forma dos Estatutos, mas podendo fazê-lo em qualquer outro dia, havendo necessidade – algumas vezes, quando substituía o Arcebispo, se ele estivesse ausente.[12]

A segunda dignidade em importância, o Chantre, era responsável por reger todo o ofício e ordenar-lhe as coisas necessárias, e dar o modo de cantar conforme o tempo, e fazer que o sub-Chantre cumprisse inteiramente com as suas obrigações (como levantar hinos, salmos, encomendar/designar lições, antífonas, e o mais que pertence a seu ofício). O Chantre era obrigado, com parecer do Cabido, ainda, a fazer a pauta da Semana Santa; e, também, quando houvesse Pontifical, lembrar ao Arcebispo as escolhas dos que nele haveriam de assistir e, por fim, deveria, ele, reger o Cabido nas procissões, fazendo com que todos os presentes fossem em seus respectivos lugares.[13]

Ao Tesoureiro-mor, talvez o serviço mais burocrático: deveria guardar, “em lugar seguro”, a prata da Sé, os ornamentos pontificais e coisas de mais preço que servissem nas festas do culto divino – dando satisfação ao Prelado ou a quem ele ordenasse. Aliás, nada deveria ser emprestado para fora da Sé sem licença do mesmo Prelado, e, para maior clareza, deveria o Tesoureiro-mor ter livro de inventário rubricado pelo Provisor ou Vigário Geral com termo do empréstimo, feito pelo Escrivão da Câmara Eclesiástica. Era, ainda, responsável pelo sub-Tesoureiro e pelo sineiro – e deveria fazê-los cumprir inteiramente suas obrigações; deveria ver se haviam sido lavados os corporais, os sanguinhos e mais roupa da sacristia, bem como se foram limpos os altares – a cada semana. Também deveria lembrar para que sempre houvessem amictos, alvas, toalhas, incenso e cera (necessário para o altar e ofícios divinos), etc; e que a lâmpada estivesse sempre acesa, de dia como de noite. Até mesmo o vinho era sua responsabilidade: deveria ser bom e que, com ele, dignamente se pudesse celebrar a missa. Enfim, deveria manter a Sé em tanta perfeição que a limpeza dela fosse exemplo para as outras igrejas.[14]

Ao Mestre-escola, a quarta das dignidades, pertencia, por função do cargo, reger/ensinar os meninos do Coro. Deveria fazer com que aprendessem a gramática, no Colégio da Companhia de Jesus, fundado pelo Rei D. Sebastião (em falta de um Seminário na Bahia), e o canto chão, com o Mestre da Capela, da mesma Sé.[15]

À última dignidade, o Arcediago, cabia apresentar ao Prelado os que quiserem tomar Ordens, e estar presente a elas. Era obrigado, ainda, à todas as vezes que o Prelado dissesse missa ou fizesse algum outro ofício Pontifical, estar presente nele e servi-lo com o Bago – bengala que o bispo segura, normalmente, como sinal de autoridade.[16]

E para a composição do corpo capitular, mais nove cônegos de prebenda inteira ou remuneração integral, sendo que, três deles, recebiam um ofício singular: o de Scilicet Doctoral (“encarregado da teologia”), o de Magistral (“provavelmente encarregado da ação missionária em novas terras”) e o de Penitenciaria (“encarregado das absolvições em ‘casos especiais’”), conforme Kátia Mattoso[17]. E mais quatro cônegos de meia prebenda, mas com voto em cabido, como os demais capitulares.

Somavam-se como auxiliares (do culto) o subchantre, dez capelães, o Mestre Capela, o sacristão, o “tangedor do órgão”, seis moços do Coro ou acólitos, o porteiro da maça, o sineiro, e o perreiro, “para afastar os cães e os perturbadores da ordem”, segundo Silva. Além do Cura – responsável pela paróquia da Sé, como representante e pessoa física do Cabido – e seu coadjutor.

A partir de 1835, todo Cura da Sé passará a ser um cônego honorário e precisará, também, cumprir todo o ritual, por que passam os cônegos, para poder exercer o seu ofício – terminando com a carta do imperador de apresentação e o ato confirmativo do Arcebispo. Mas, apesar do título, não tinha função efetiva: não tinha voto e nem assento em cabido.

É necessário ressaltar, que todos os Cônegos e suas respectivas prebendas, deveriam ser providos por sua Majestade, o Rei (e depois o Imperador), “pelo tempo que fosse”, como está escrito na Bula do Papa Júlio III, enquanto os demais auxiliares, por sua vez, nomeados e, conseqüentemente, providos pelo Arcebispo.

De maneira geral, em Sé vacante, deveria o cabido exercer o governo da diocese através de um vigário nomeado por eles, afirma Rodrigues, que ainda nos lembra de que, teoricamente, competia por direito a eles (aos cabidos), a escolha do novo bispo para compor a respectiva Sé.[18] Dois costumes não observados, em terras baianas.

Segundo Candido da Costa e Silva, até o início do século XIX, o cabido baiano manteve, certa singularidade entre os demais cabidos do Brasil, em Sé vacante: “o Cabido da Sé governava como efetivo colegiado, corporificando-se o poder na pluralidade dos seus membros. Para igual vacância, os outros cabidos elegiam um Vigário Capitular, em conformidade ao Concílio de Trento”[19]. Agiu assim até 1820, quando por determinação direta de D. João VI, pôs fim a esse modo de proceder.

É possível perceber na documentação do Cabido, vestígios, para o século XVIII, desse antigo costume, quando Sóror Catherina dos Anjos, em correspondência envida aos cônegos da Sé Catedral, lamenta a morte do Arcebispo D. Manoel de S. Inês, mas transmite, ao mesmo tempo, obediência a nova administração do Cabido – enquanto colegiado (ver pasta 2).

Sobre a escolha do novo Arcebispo, rezava o estilo que, ao vagar a diocese, por morte dele (transferência ou renúncia), deveria o capítulo se reunir e enviar uma relação tríplice para o Rei, que escolheria um nome para confirmação papal. Entretanto, era o Rei, mesmo, no caso Brasil, quem recolhia os nomes dos candidatos (ouvindo os membros da Mesa de Consciência e Ordens – que era o tribunal régio, estabelecido em 1532, em Portugal, e transferido para a colônia, “para assessorar o rei nas decisões dos assuntos eclesiásticos”[20]), enviando, em seguida, ao Papa para aprovação dele.

*****

No final do século XIX, percebe-se um maior número de advertências aos Cônegos da Sé baiana, por ausência nos ofícios do cargo e descumprimento do Estatuto da Sé. Silva antecipa: “o Côro da Sé Catedral já não primava pela regularidade. Era o declínio do culto ritualmente consagrado”.[21]

Após a proclamação da República, com o fim do regime do padroado, e a separação dos governos Civil e Eclesiástico, o Cabido baiano padeceu em duro golpe: o Estado, laico, agora, não pagaria mais aos cônegos a remuneração até então dedicada a eles. Situação suficiente para a instituição entrasse em colapso. O Governo Provisório, em 1890, decretou que aqueles que tivessem sido investidos de funções religiosas antes da proclamação da República, ainda receberiam suas respectivas prebendas, por razão de humanidade, até o dia da sua morte, mas aos novos cônegos nada mais seria dado; não seria mais responsabilidade do Estado provê-los.

O governo republicano pelo ato que formalizou o fim do estatuto de privilégio para a Igreja Católica e estabeleceu a laicidade do Estado, em seu artigo sexto (Decreto de 07.01.1890), dispunha que “os atuais serventuários do culto católico” continuariam a perceber o que até então lhes pagava o erário público.[22]

Até então remunerados para o serviço religioso, não apenas com a prebenda respectiva, mas com o devido prestígio social que lhe conferia o cargo, como nos lembra Mattoso[23], os cônegos beneficiados com o ato, sentiram-se desobrigados de suas responsabilidades para o serviço do côro. E os novos cônegos, não viam mais atrativos nele.

Também, com o novo regime, cai a competência do governo civil de prover os nomes do cabido, competindo, agora, ao bispo fazê-lo. Um golpe menor nos costumes do rito, quando comparado àquele primeiro. E a nova realidade obrigou a alguns membros do Cabido da Sé da Bahia, a assumirem encargos religiosos, sobretudo de capelães de conventos femininos – como do Desterro, das Mercês ou de Ordens Terceiras e Irmandades.

D. Jerônimo Thomé da Silva, primeiro Arcebispo efetivo da Bahia pós-República, antecipando uma possível dissolução do Cabido, determinou aos párocos da capital e do interior que cobrassem dos seus paroquianos um determinado valor para a manutenção e pagamentos das prebendas do Cabido, em vão, como nos mostra Silva:

Uma vez Arcebispo, D. Jerônimo tentou deter sua progressão, com um amparo ao culto e aos ministros da Catedral. [...] Assim justificava, determinando aos párocos da capital e do interior que recolhessem “dos encarregados de festividades” celebradas em qualquer espaço sacro dentro de suas freguesias, “a espórtula de cinco mil réis (5$000) por cada missa solene”, os primeiros repassando imediatamente à Cúria e os segundos ao fim de cada trimestre. Como os fiéis concorriam “com generosidade” para essas festas, convinha cortar um pouco “da ostentação de pompas e aparatos profanos”. Taxava-se a vaidade dos promotores e coibia-se a sua mundanalidade, assim julgava o Primaz. Não surtiu efeito [...].[24]

E, como último recurso, restou pedir ao papa Leão XIII que dispensasse o cabido da Bahia de recitar diariamente a liturgia das horas e da missa conventual, ficando apenas para os dias santos e domingos, alegando que “a maior parte dos cônegos ou é velha ou doente, ou está presa à burocracia da Cúria”. Foi concedido uma licença com validade de dez anos, em favor do Cabido, “se perdurarem os motivos alegados”.[25]

Licença que foi sendo renovada, até sua incorporação no cotidiano dos envolvidos. Depois não era mais preciso ser renovada licença nenhuma. Cândido da Costa e Silva observa: 

Desaparecia da Sé Catedral o culto que lhe deu origem e identidade. Culto aliás que os fiéis contemplavam à distância, em grandes momentos do ano cristão, tocados pela música e o gestual, sem atender quase nada. Não lhes fazia falta. Não rezavam naquela cartilha.[26]

O Cabido deveria ser restaurado, para continuar a “proceder no zelo” e, com o culto sempre exemplar, manter a Santa Igreja Catedral viva. Nesse sentido, D. Augusto reforma os estatutos do Cabido em 1927, mas com poucas mudanças no texto original, a realidade insistia em permanecer igual.

Em 1938, vestígios de outra tentativa: em minuta de correspondência assinada por D. Augusto, em passagem rápida, à margem direita do texto principal, existe um comentário sobre uma nova reforma do texto do estatuto do Cabido (ver pasta 5). E, mais recentemente, D. Lucas, tenta, em vão, uma última sobrevida para o cabido, com nova reforma do dito estatuto.

Embora o Cabido da Sé da Bahia, oficialmente, ainda exista, hoje, perdeu sua função. O Concílio Vaticano II (1962-1965) estabeleceu novos colegiados – os conselhos presbiterais –, mais abrangentes, que acabaram por envolverem/absorverem o cabido – isentando-o de qualquer responsabilidade na realidade pós-Concílio.

Caio Boschi completa o cenário atual:

...as funções outrora cometidas ao cabido atualmente se distribuem e estão afetas aos colégios de consultores e aos conselhos presbiterais. A escassez do clero e a simplificação e modernização do culto e dos ofícios litúrgicos têm inibido a constituição e, por decorrência, a atuação dos cabidos. Na maior parte das modernas dioceses, o canonicato é condição distintiva, principalmente de natureza honorífica. Ressalve-se a sobrevivência, posto que reduzida, da sociedade capitular. Nesses casos, em paralelo aos outros órgãos supramencionados, cumpre ao cabido ocupar-se fundamentalmente das atribuições primordiais com que se haviam até há pouco, isto é, cuidar das funções litúrgicas mais solenes a se realizar nas igrejas catedrais.[27]

SOBRE A DOCUMENTAÇÃO DO CABIDO DA SÉ DA BAHIA

Os arquivos paroquiais e, conseqüentemente, a documentação eclesiástica, tem assumido, desde os Annales (1929), um importante papel enquanto fonte de pesquisa histórica, pois, ao longo dos anos, foi depósito de memória do cotidiano dos homens e mulheres, e das instituições que constituíram a vida em diferenças e mudanças.

Hoje, a documentação eclesiástica nos permite novos problemas, objetos e novas abordagens, em novos estudos; temas relacionados à família, costumes, escravidão, tratando sobre questões de gênero, sobre questões demográficas, etc., tem ajudando a reconstruir o comportamento e o movimento de populações, em sua duração no tempo.

A documentação produzida pelo Cabido da Sé da Bahia, parte do arquivo histórico da Cúria Metropolitana de São Salvador, também nos permite uma variedade de estudos, com toda a especificidade (e abrangência) que a documentação eclesiástica proporciona. Caio Boschi, em semelhante empreitada – sobre os cabidos na historiografia – escreveu justificando o seu trabalho, sem saber que justificava, também, o presente artigo:

Não obstante a relevância da instituição, que extrapola o âmbito da Igreja Católica, raros são os estudos históricos sobre a corporação capitular. No que tange ao contexto em pauta, o Brasil Colonial, é muito escassa a produção historiográfica a seu respeito.[28]

Boschi nos lembra de que o clero catedralício ainda se está por estudar e nos alerta de que “é ínfima a bibliografia existente sobre o tema-objeto”. Desta forma, apresentar esta documentação é necessário, visando permitir novos estudos sobre os Cabidos, sobre o Cabido da Bahia e sobre o cotidiano da cidade do Salvador.

Curioso que a documentação do Cabido da Sé da Bahia, encontrava-se, até meados de 2009, na igreja de São Pedro dos Clérigos, e não na Sé Catedral, como poderíamos supor, antes de, devidamente, ser transferida para o laboratório de restauração e conservação Reitor Eugênio Veiga – responsável por custodiar o sobredito arquivo histórico da Cúria Metropolitana de São Salvador.

A questão parece estranha, mesmo, e uma explicação, aqui, merece ser feita: na igreja de São Pedro dos Clérigos, residia irmandade[29] de mesmo nome, que, apesar de não ser estatutariamente dependente do Cabido da Sé da Bahia, acabou ficando sobre a proteção e cuidados, em larga escala, dele – representação mais evidente desse alto clero, proclamado em próprio nome. E, na medida em que a dita irmandade foi ficando a cargo do Cabido, foi se transferindo para lá, sem nenhuma razão formal, sua documentação.

Embora o volume documental não chegue a impressionar, de maneira geral, a documentação do Cabido da Sé da Bahia compreende um largo período da história da instituição, da Bahia e do Brasil – indo de 1695 até o ano de 2004. Entretanto, o corpus documental em questão, possui poucos documentos para os séculos XVII e XVIII. A maior parte, mesmo, da documentação estudada, está distribuída entre séculos XIX e XX. Para o século XXI, quase nada.

Entendemos que, em grande parte, a documentação do Cabido da Sé da Bahia foi produzida enquanto conselho consultivo do arcebispo: ali, estatutos, patrimônios, cartas régias, correspondências, atas, pareceres, processos e convênios. Enquanto coro, também, gerou alguma documentação, embora em menor quantidade: aqui, relativo ao cerimonial, à fábrica da Sé e mais outras correspondências.[30]

Optou-se, neste trabalho, apresentar a documentação em questão, a partir de certa amostragem, e, antecipo que essa lista não esgota todos os temas possíveis e possibilidades de estudos, no universo dos documentos produzidos Cabido baiano. É claro que, dependendo da abordagem escolhida, um mesmo documento pode servir para tantos outros temas: pode-se trabalhar com irmandades, aplicação dos sacramentos, questões financeiras envolvendo as celebrações religiosas, o cotidiano da paróquia, questões sociais, o cotidiano da cidade (sobre a morte, os hábitos alimentares), etc.

Podemos citar como exemplo, um documento do cônego João da Cruz aos juízes da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Sé, informando a liberação de 800.000$000 contos de réis para as despesas anuais com as missas das quintas-feiras, sextas-feiras e sábados, além do terceiro domingo de cada mês para os irmãos falecidos (ver pasta 1).

Se quiséssemos trabalhar com Irmandades, como tema, então, encontraríamos cartas régias, correspondências, processos, apelações, convites para festas e procissões, tratando das irmandades de Nossa Senhora da Conceição Protetora dos Artistas, de São Francisco Xavier, do Santíssimo Sacramento da Sé, de São João Batista, de Santa Cecília, de São Pedro de Alcântara, de São Vicente, São Pedro dos Clérigos, Nossa Senhora da Conceição e Glória, de Bom Jesus de Vera Cruz, entre outras.

O documento mais antigo, datado de 26 de dezembro de 1695, é uma correspondência do rei tratando da procissão de São Francisco Xavier e de como deveriam haver nelas os Capitulares. Em janeiro de 1697, uma segunda carta régia, tratando, agora, das devoções e procissões a São Thiago, São Filipe e São Sebastião. Em 1772, uma terceira carta do rei, dedicada mais ao costume do ato religioso, informa como os cavaleiros deveriam utilizar as libras na procissão do Corpo de Deus (ver pasta 2). São documentos únicos, pelo período e pelo conteúdo delas.

Ficamos sabendo, também, por exemplo, que, em 23 de abril de 1893, as irmandades de S. Cecília, S. Pedro, N. S. Conceição Protetora dos Artistas e S. Vicente, deveriam recolher suas imagens as suas respectivas casas, pois não poderiam mais ficar na igreja de S. Francisco por ordem de “despejo” (ver pasta 1). E por que, mesmo, o despejo? E como aconteceu todo o processo?

Existe na documentação, ainda, um balanço das receitas e despesas para a festa do padroeiro São João Batista, para o ano 1896 (ver pasta 1). Por si só um documento interessante. É possível apreender, um pouco, a realidade de uma festa como esta; do cotidiano dos envolvidos; do que se utilizava para o fim; etc.

Encontramos, também, algumas disputas envolvendo irmandades, entre si, e/ou contra pessoas físicas:

Para o ano de 1815, por exemplo, existe uma sentença civil para despejo que “alcançarão os Autores Mezarios da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Sé contra o réo Manoel Vicente Ferreira”, tratando do aluguel e concerto de casas da mesma irmandade (ver pasta 2). Ou, em janeiro de 1891, uma correspondência do mestre José Antônio de Souza para os irmãos da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Sé, reclamando que realizara trabalho, já há algum tempo, mas que ainda não havia recebido pagamento – e em anexo, um documento onde ele apresenta as contas para os anos de 1883 e 1884 (ver pasta 1).

Para uma história social da saúde, encontramos, para o século XIX (fevereiro de 1868, especificamente), um documento do chefe de polícia onde mandou publicar edital proibindo “expressamente o perigoso divertimento do entrudo”. E continuava, em tom de crítica social, recomendado sua execução: “exijo que os Inspectores dessa Freg(uesi)a estejão durante o Carnaval vigilantes em seos quarteirões afim de prevenirem desordens [...]”, e que fossem recolhidos e inutilizados os objetos próprios “desse nocivo divertimento, os quaes segundo me consta já teem sido visto expostos á venda” (ver pasta 9). Um costume da época.

Para mais recentemente, existe uma correspondência, em papel timbrado de Departamento Nacional de Saúde Pública, do dia 20 de fevereiro de 1934, em nome do Doutor Marques, ao arcebispo primaz e cabido metropolitano, notificando que as calhas laterais da Catedral estão retendo água e constituindo um possível perigo de foco de mosquitos, ao passo que requisita que sejam tomadas as medidas cabíveis no que tange a resolução do problema (ver pasta 4).


Para uma história da cidade e/ou a evolução dela, existem documentos tratando desde o calçamento do passeio da Sé, como em Correspondência de Augusto de Araújo Santos, José Portela Passos, Pereira da Motta, José Teles Carpo de Amaral, em nome da junta distrital do Curato da Sé aos juízes e mais irmãos da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Sé, solicitando reparos nele, em 1893 (ver pasta 1), até correspondência de julho de 1974, do Cabido da Sé para Dom Avelar Brandão Vilela, comunicando que foi encontrada uma solução para a área remanescente da abertura da Avenida Contorno que era integrante dos terrenos do palácio do Campo Grande (ver pasta 6).

Também um manifesto em defesa da Sé Catedral. Jayme Cunha da Gama Abreu, professor da Escola Politécnica, em 17 de outubro de 1928, escreve “A conservação da Sé impõe-se: um plano bem esboçado conciliará todos os interesses em jogo”, e analisa, incluindo duas plantas da cidade (um sem a Sé velha, então demolida, outro com a continuação da dita Sé) e os motivos de sua permanência. A conclusão? “A derrubada da Sé é uma questão de capricho” (ver pasta 15)

Sobre o mesmo tema, recortes de jornais (da capital baiana e do Brasil), ou uma poesia de José do Patrocínio Filho, também em defesa da Sé. E, ainda, um Protesto contra a Demolição da Igreja da Sé, assinado por sessenta e sete nomes: são médicos, professores, advogados, declarando-se contra o “impatriotismo dos interventores da necessidade de demolir a Sé”. Uma discussão iniciada ainda no governo de D. Jerônymo, mas finalizada apenas em 1933 – com a derrubada da Catedral (ver pasta 15).

Pode-se, ainda, a partir de uma documentação financeira (recibos de compra e venda, livro caixa, etc) saber um pouco mais sobre o cotidiano/funcionamento da paróquia da Sé ou, mesmo, fazer uma história dos preços, mais abrangente.

Existem recibos, para a Catedral, de compra de velas para o altar mor, para a Missa de Natal, para os festejos da Semana Santa, para a festa do Espírito Santo, para a Missa da Meia Noite (Ressurreição), para o dia de Todos os Santos, etc. Recibos tratando da morte de D. Jerônymo (desde os remédios comprados até os gastos com a Missa cantada no aniversário de morte de dele). Ainda, tratando sobre a compra de álcool, de chumbo, de cimento (para alguma reforma, possivelmente), de lenços para pobres, no Mercado Modelo, de carvão, de vinhos para missa, etc. Também, sobre a compra de paramentos e alfaias (sobrepeliz, toalhas de altar, alvas, sanguinhos). E, ainda, um recibo da compra, na Chácara Santa Luzia, de 30 galhas de Hortência cor de rosa e azul para a Missa da Quinta Feira Santa (ver pasta 5 e pasta 21).

Ainda sobre o cotidiano da Sé Catedral, acham-se alguns documentos tratando de reparos no prédio da igreja, e, especificamente, uma correspondência do arcebispo D. Augusto para o Cabido, respondendo o ofício de 14 de maio, falando sobre os reparos “indispensáveis” da instalação elétrica da Catedral (ver pasta 8.2).

Existe um documento (em italiano), sem data, tratando de alguns assuntos específicos, como a Cúria Episcopal, o Seminário, o Clero (em geral), os párocos e suas paróquias, as Instituições religiosas de educação, sobre as ações políticas, e, interessante, sobre os perigos que a sede corre – contra os protestantes, massons, espíritas, e mais cartazes contra a sede (ver pasta 8). E, veremos, que esta será sempre uma preocupação durante todo o tempo, na Igreja Católica.

Para uma história das instituições, e um possível entendimento a cidade, como Rios fez para o Asilo São João de Deus ou Joíldo Athayde para a Roda dos Expostos, entre outros, existe um parecer do Cabido sobre a doação das ruínas da Igreja do Amparo para construção de uma maternidade com o mesmo nome, em 1948 (ver pasta 4).

E, nesse mesmo sentido, alguma coisa sobre o Asilo Conde Pereira Marinho – um orfanato de meninas, que começou a funcionar ainda em meados do século XIX. Encontramos uma correspondência, por exemplo, solicitando perdoar as dívidas do dito asilo e outra sobre a alienação de parte do terreno dele.

Existem, ainda, outros documentos que tratam de outras instituições: uma correspondência de 1970, do Cabido da Sé para D. Eugenio Sales, comunica sobre a aprovação da doação do prédio onde funcionava a “Obra de Assistência aos Pobres e Menores Desamparados” da Paróquia de Nossa Senhora de Nazaré para a Congregação das “Servas da Sagrada Família”. Ou outra correspondência em papel timbrado da Casa Pia e Collegio dos Orphãos de S. Joaquim, datada em 31 de agosto de 1936, endereçado ao deão e mais membros do cabido metropolitano, informando sobre os membros eleitos para o ano de 1936-1938 e convidando para a posse que irá ocorrer no dia 24 de maio do corrente (ver pasta 8).

Também, um documento datado em 12 de abril de 1926, aos senhores capitulares, por parte de D. Augusto da Silva, pelo qual deseja adquirir o sitio de Brotas pertencente à viúva Anna Bentes Arouca, pelo valor de cem contos de réis, para a construção do novo seminário (ver pasta 8). E, mais tarde, uma correspondência de Luis Lessa Ribeiro, ao Arcebispado, dando parecer favorável sobre a locação do prédio do Seminário São Damaso a Prefeitura Municipal e uma minuta do termo de convênio entre a Arquidiocese e a Prefeitura para a utilização do Seminário São Damaso, em 1963 (ver pasta 8).

Para uma história recente sobre desenvolvimento do catolicismo na cidade (nos anos de 1960 e 1970), existe na documentação, por exemplo, para março de 1969 uma correspondência do Cabido da Sé para D. Eugenio Sales comunicando sobre a criação das paróquias de Pau da Lima, Sertanejo e Valéria; e para 1970 uma correspondência do Cabido, para D. Avelar Brandão Vilela, comunicando resoluções de criação de novas paróquias como a de Nossa Senhora das Graças, a de Deus Menino de Santa Tereza, a de Nossa Senhora da Lapinha, a de Santa Rita, a de Maria Imaculada, a de São Caetano, a de Nossa Senhora do Carmo (ver pasta 6). Também, uma correspondência do arcebispo D. Augusto ao deão, e membros do cabido, onde comunica o projeto de uma nova paróquia a ser desmembrada da freguesia de Santo Antonio Além do Carmo, solicitando o tracejamento dos limites da nova freguesia proposta (ver pasta 8), e, depois, outra correspondência de D. Augusto para o Cabido apresentando os limites da paróquia de Cristo Rei, desmembrada da Freguesia de Santo Antônio, em 21 de setembro de 1937 (ver pasta nº 8.2).

Existe, ainda, nos documentos do Cabido, uma correspondência inusitada: da Ação Integralista Brasileira para o Cabido comunicando missa em ação de graças, no dia 15 de agosto de 1937, pelo Mons. Odilon Moreira por ter escapado com vida do atentado comunista (ver pasta nº 8.2).

Por fim, existe uma documentação bastante específica, dentro da documentação do Cabido da Sé da Bahia: são correspondências, recibos, anotações, minutas de documentos, do Corpo de Polícia. Aparentemente independente da documentação produzida pelo Cabido, existe uma hipótese para explicar o fato: após a independência e conseqüente desativação do Aljube[31], a Cúria Metropolitana decide a ceder o antigo prédio, então vazio, ao Presidente da Província, para funcionar, ali, a delegacia da Sé. O que pode ter acontecido, no final, é que a documentação depositada ali, tenha ido parar com o dono do imóvel, a própria Cúria, misturando-se posteriormente aos documentos do Cabido.

Nesse momento, é possível uma história social da Bahia. Encontramos, ali, uma Delfina dos Santos, por exemplo, queixando-se da africana Anna, escrava da casa de Francisco Bandeira, que desde o dia doze vive a insultá-la com “nomes me mais injúrias” – e que tem testemunhas para corroborar o caso –, pedindo providência, em março de 1868.

Também, uma carta precatória, onde deveria ser intimada D. Francisca Paraiso Moura, senhora da crioula Sebastiana, para que comparecesse ante juízo, para prestar contas da acusação de roubo na casa de Francisca Romana Geremoabo, em julho de 1868.

Ou, ainda, um documento dizendo que, pelo artigo 18 da lei provincial de numero 9, de 13 de maio de 1835, ficou proibido a qualquer proprietário, arrendatário, sublocatário, procurador ou administrador, alugar ou arrendar casas à escravos e mesmo aos africanos libertos que não se apresentarem munidos de autorização especial da respectiva autoridade. E que, por motivo de desordens, aos quais os escravos são afeitos e tem “bagunçado muito a freguesia da Sé”, impõe uma multa de 100$000 e 200$000 mil réis para quem descumprisse a ordem.

Por fim, encontramos nesta documentação de polícia, algumas correspondências dos chefes dos respectivos quarteirões da Sé, informando não haverem cortiços por lá, nomeando as ruas e becos e mais moradores da região.

Essa documentação de polícia tem servido, assim como os documentos eclesiásticos, para nos mostrar um pouco do cotidiano da cidade, podendo-se, através dela, aproximarmo-nos da realidade vivida. Talvez uma reconstrução perfeita dela não seja possível (nunca é!), mas o fato que ela nos permite conhecer e apreender sobre a história vivida.

CONCLUSÃO

O acervo do Cabido é constituído, como pudemos perceber, de documentos de fundamental importância para a história da Bahia. Trata-se, como vimos, de documentos muito específicos, pela forma como foram gerados – justificados pela própria razão de ser da instituição.

Sei, hoje, sobre a existência de outros Cabidos, em importantes Catedrais no mundo, mas apenas em sua função de culto. E, embora o Cabido baiano não seja mais tão ativo, ressalto a importância histórica dele: foi a partir dele que tudo começou; o culto que foi referência para todos os outros.

O Cabido da Sé da Bahia não gera mais documentos, como antigamente, mas com o que foi produzido, já nos é possível remontar momentos vividos.

Tentei apresentar, aqui, os documentos do Cabido, demonstrando como poderiam ser utilizados em uma diversidade de momentos; em diversos temas e sob diversas perspectivas. Como dito anteriormente, não procurei esgotar as possibilidades, mas oferecer à vista algumas delas.

1 SILVA, Cândido da Costa e. Notícias do Arcebispado da São Salvador da Bahia. Salvador: Fundação Gregório da Mattos, 2001, p. 7.

2 Bula Super Specula Militantis Ecclesiae do Papa Julio III, em 25 de fevereiro de 1551. In: SILVA, Cândido da Costa e. Notícias do Arcebispado de São Salvador da Bahia. Salvador: Fundação Gregório da Mattos, 2001, p. 15.

3 Quando as terras do Brasil foram incorporadas ao império português, automaticamente, os cristãos católicos do reino ficaram, canonicamente/oficialmente, sob a supervisão do bispo de Funchal da Ilha da Madeira. Algum tempo depois, o Rei argumentando sobre ser a comunicação da diocese baiana, com Lisboa, maior, mesmo, do que com o bispado de Funchal, em Ilha da Madeira, solicita ao Papa Julio 3 que a dita diocese ficasse sufragânea ao Arcebispado de Lisboa: “pelo que outrosim suppliquei ao Santo Padre Juilo 3, que exprimisse e tirasse do Bispado de Funchal das Ilhas da Madeira a dita Jurisdição, que dantes tinha nas ditas terras e partes do Brasil; e que creasse, e levantasse em Igreja Episcopal, e Cathedral a Igreja do Salvador da Cidade do Salvador da Capitania da Bahia de todos os Santos, e lhe désse por Diocese, e Bispado cincoenta leguas de terra ao longo da Costa do mar, e, vinte leguas da dita, e Sertão, e que o dito Bispo fosse suffraganeo ao Bispado, digo ao Arcebispado de Lisbôa, e Arcebispos, que pelo tempo fossem, como são os Bispados destes Reinos [...]”. In: Carta de Dom João III dada em Almeirim no ano de 1551, dezembro, 4. IN: SILVA, Cândido da Costa e. Notícias do Arcebispado de São Salvador da Bahia. Salvador: Fundação Gregório da Mattos, 2001, p. 23/24.

4 IDEM, p.16.
5 Carta de Dom João III dada em Almeirim no ano de 1551, dezembro, 4. In: SILVA, Cândido da Costa e. Notícias do Arcebispado de São Salvador da Bahia. Salvador: Fundação Gregório da Mattos, 2001, p. 24.
6 IDEM, p.25.

7 Para saber mais sobre a história dos cabidos ver: RODRIGUES, Ana Maria S. A. CABIDO. In: AZEVEDO, Carlos Moreira (Dir.). Dicionário de História Religiosa de Portugal. Circulo de Leitores, 2000. v. A-C. Para o Cabido da Sé da Bahia, ver: SILVA, Cândido da Costa e. Os Segadores e a Messe: o clero oitocentista na Bahia. Salvador: SCT, EDUFBA, 2000.

8 BOSCHI, Caio C. O Cabido da Sé de Mariana (1745-1820): documentos básicos. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro: Editora PUC Minas, 2011. Pag. 13.

9 Arquivo Histórico Ultramarino. MATTOS, José Botelho de. Estatutos da Sé da Cidade da Bahia, ordenados pelo Ilustríssimo e Reverendíssimo Senhor Dom Sebatsião Monteiro da Vide Arcebispo Metropolitano da mesma cidade e Primaz do Estado do Brazil do Conselho de Sua Majestade. 1719. Códice 1206. 180 p. ms.

AHU. VIDE, Sebastião Monteiro da. Regimento da Sé da Cydade da Bahya. Ordenados pelo Ilmo e Revm° D. Sebastião Monteiro da Vide Arcebispo Metropolitano da mesma Cyde, e Primaz do Estado do Brazil, do Conselho de sua majestade, Lisboa Brazil – Bahia, Cx. 50, doc. nº 8.691. 1774. 180 p. ms.

10 SILVA, Cândido da Costa e. Os Segadores e a Messe: o clero oitocentista na Bahia. Salvador: SCT, EDUFBA, 2000, p.196.

11 Arquivo da Cúria Metropolitana. Documentos do Cabido, pasta 9.

12 Além das suas semanas de missas ordinárias, o Deão, deveria dizer as missas nas festas seguintes: na noite de Natal; no dia de Reis, a seis de janeiro; no dia da Ascensão do Senhor; e no dia de Todos os Santos, em primeiro de novembro. Estando o Arcebispo impedido, a missa que lhes tocam as Vésperas Pontificais, e levar a custódia em dia de Corpus Christi e em dia de Páscoa – como também governar as procissões em ausência do dito Prelado.

13 O Chantre, também possuía suas semanas de missas ordinárias, sendo responsável, fora dela, em dizer as missas das festas do dia da Purificação de Nossa Senhora, em 2 de fevereiro; do Domingo de Ramos; da Natividade de Nossa Senhora, em 8 de setembro; e da primeira oitava de Natal.

14 Bem como os outros Capitulares, além das suas semanas de missa, o Tesoureiro-mor é obrigado a dizer as missas das festas seguintes: dia da circuncisão, em primeiro de janeiro; dia da anunciação de nossa senhora, em 25 de março, dominga da Santíssima Trindade; e dia de São João Batista, em 24 de junho.

15 Capitulará e cantará missa (além das semanas que tem, como todos os outros capitulares, nos dias da Conceição da Senhora, em 8 de dezembro, o primeiro dia da oitava de Páscoa da Ressurreição, quinta-feira da festa de Corpus Christi e dia dos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo em 29 de junho

16 Além das suas semanas de missa, como todos os outros capitulares, deveria celebrá-las nas festas da Invenção da Santa Cruz em 3 de maio, na primeira oitava da festa do Espírito Santo, na Visitação de Nossa Senhora em 2 de julho e no dia de S. Lourenço em 10 de agosto.

17 MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Bahia, Século XIX: uma província no Império. Ed. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1992. Pág. 334.

18 RODRIGUES, Ana Maria S. A. Cabido. In: AZEVEDO, Carlos Moreira (Dir.). Dicionário de História Religiosa de Portugal. Circulo de Leitores, 2000. v. A-C, p. 280.

19 SILVA, Cândido da Costa e. Os Segadores e a Messe: o clero oitocentista na Bahia. Salvador: SCT, EDUFBA, 2000, p.

20 SALGADO, Graça (Coord.). Fiscais e Meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. Pág. 114.

21 SILVA, Cândido da Costa e. Os Segadores e a Messe: o clero oitocentista na Bahia. Salvador: SCT, EDUFBA, 2000, p. 235.

22 IDEM, p. 235/236

23 MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Bahia, Século XIX: uma província no Império. Ed. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1992. Pág. 334.


24 SILVA, Cândido da Costa e. Os Segadores e a Messe: o clero oitocentista na Bahia. Salvador: SCT, EDUFBA, 2000, p. 236

25 IDEM, p. 237.

26 IDEM, p. 237.

27 BOSCHI, Caio C. O Cabido da Sé de Mariana (1745-1820): documentos básicos. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro: Editora PUC Minas, 2011. Pág. 16.

28 BOSCHI, Caio C. O Cabido da Sé de Mariana (1745-1820): documentos básicos. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro: Editora PUC Minas, 2011. Pág.16

29 Conforme Cândido da Costa e Silva, a irmandade de São Pedro dos Clérigos, em sua origem, é quase excludente, já que apenas os clérigos seculares poderiam fazer parte dela.

30 Ver arranjo do Cabido da Sé da Bahia, em anexo.

31 Cadeia de eclesiástico ou de suspeitos de terem cometido delitos eclesiástica.

FONTES

Documentação do Cabido da Sé da Bahia:

Pasta nº 1                    Irmandades
Pasta nº 2                    Documentos manuscritos (Estado de conservação: péssimo)
Pasta nº 3                   Sentença de Apelação (07/06/1792)
Pasta nº 4                   Correspondências referentes a Irmandades, Bom Jesus de Vera Cruz
Pasta nº 5                   Manuscritos diversos – Recibos, anotações, documentos.
Pasta nº 6                   Cabido da Sé 1969-1970. Secretário. Correspondência. Entrada 1970-1974.
Pasta nº 7                 Livro de Ata da Irmandade de Nossa Senhora da Glória, Rainha dos Anjos – Anotações.
Pasta nº 8                    Correspondência I
Pasta nº 9                    Fazenda, Polícia, Arsenal
Pasta nº 10                  Estatutos da Sé da Cidade da Bahia
Pasta nº 11                  Manuscritos diversos
Pasta nº 12                  Correspondências
Pasta nº 13                  Jornal do Comércio – Jubileu de 1935
Pasta nº 14                  Correspondências do Cabido com o Imperador
Pasta nº 15                  Penha – Palácio – Documentos históricos
Pasta nº 16                  Pautas do Cabido de 1931 – 1951
Pasta nº 17                  Correspondências III
Pasta nº 18                  Fazenda – Polícia – Arsenal II
Pasta nº 19                  Recibos II (1809 – 1856)
Pasta nº 20                  Habilitações (1826 – 1860)
Pasta nº 21                  Recibos I (1813 – 1953)
Pasta nº 22                  Documentos diversos (1697 - 1872)
Pasta nº 23                  Acordãos e termos
Pasta nº 24                  Correspondências IV
Pasta nº 25                  Pasta sem identificação
Pasta nº 26                  Inquirição de genere do Reverendo Cônego Nomeado Antonio Correa
Pasta nº 27                  Junta Provisória do Governo 1823
Pasta nº 28                  Documentos Avulsos (1824 – 1825)
Pasta nº 29                  Documentos Avulsos   (1803 – 1804)
Pasta nº 30                  Correspondência II
Pasta nº 31                  Cabido da Sé  (25/02/1551) – Catedral Basílica – Terreiro de Jesus.
Pasta nº 32                  Documentos Diversos
Pasta nº 33                  Cabido da Sé (1969 – 1970). Secretaria de Correspondência  (1970 – 1974)

BIBLIOGRAFIA

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AHU. VIDE, Sebastião Monteiro da. Regimento da Sé da Cydade da Bahya. Ordenados pelo Ilmo e Revm° D. Sebastião Monteiro da Vide Arcebispo Metropolitano da mesma Cyde, e Primaz do Estado do Brazil, do Conselho de sua majestade, Lisboa Brazil – Bahia, Cx. 50, doc. nº 8.691. 1774. 180 p. ms. 

HOORNEART, Eduard. Formação do catolicismo brasileiro 1550 – 1800. 2 ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1978.

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LOTT, Mirian Moura. Fontes paroquiais, suas permanências e mudanças: século XIX.

MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Bahia, Século XIX: uma província no Império. Ed. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1992.

SANTOS, Mario Augusto da Silva. Uma fonte para a história social de Salvador: as teses de doutoramento da Faculdade de Medicina da Bahia. Universitas, (29): 41-58, jan./abr. 1982.

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PINTO, Cônego Antonio Ferreira. O Cabido da Sé do Porto; subsídios para sua história. Porto, Publ. da Câmara Municipal, 1940.

VAZ, A. Luis. O Cabido de Braga: 1070-1971. Braga, Editor José Dias de Castro, 1971.

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