Hermetes Reis de Araújo inicia sua entrevista pontuando o lançamento
do livro História da Mulheres nas livrarias francesas em 1992, este seria o
sexto e ultimo livro de uma coleção que apresentava um estudo geral sobre a
imagem da mulher na história, a obra foi coordenada por Michelle Perrot e
Georges Duby; o livro é tido como um obra épica pois ele aborda temas desde a
antiguidade até o século XX, um trabalho laborioso que contou com o auxilio
aproximado de 70 historiadores de várias nacionalidades. Na época de seu lançamento,
o Brasil ainda não tinha uma data definida para que isso acontecesse. O livro
trata da diferença entre os sexos partindo de uma referencia critica, pois o
sexo masculino sempre foi visto como ponto de partida universal em relação a
tudo, por isso a necessidade desta obra desmistificar justamente a relação do
gênero, com isso, pode-se ir além de retrancar a “categoria dominada”, podendo
ver a identidade feminina mudar através da história no contexto de mudanças
entre os sexos. O termo gênero é colocado como um conceito chave que confere a
própria especificidade da relação entre os sexos na história do ocidente, por
isso é primordial entender a evolução dessas sociedades em todas as esferas que
a compõem.
O entrevistador inicia sua entrevista pontuando o ano de 1982, onde a escritora Michelle Perrot debatia a possibilidade de construção histórica das mulheres, hoje
esse projeto já é uma realidade, ele questiona-a como isso foi possível, Perrot
responde singelamente que se trabalhou muito, pois a existência de trabalhos
sobre gênero era gigante, desde monografias até trabalhos que problematizam as
teorias; progressivamente tiveram que aprofundar as questões a fundo, só isso
já contribuía para os estudos da história das mulheres. Inicialmente segundo Perrot havia a duvida se realmente
encontrariam as fontes, afina, em história é tudo uma questão de como os fatos
são colocados; outra dificuldade apresentada pela entrevistada foi a de que não
haviam registros de velhice ou juventude, pondo em xeque a questão da história
das mulheres, mas graças a muito esforço isso foi possível através da
persistência, com isso, através das pesquisas documentais os trabalhos se
acumularam, agora havia analises o suficiente para que o projeto seguisse
adiante.
O entrevistador pergunta agora sobre o amadurecimento
da história das mulheres, Michelle Perrot, diz que num primeiro momento estava em duvida
sobre haver historia das mulheres, pois as relações entre sexos mudavam
periodicamente, mas foi possível sim fazer um relato sobre esses fatos, mais
uma vez ela cita a importância das fontes, decodificando-as sob outro prisma.
Araujo pergunta a respeito dos matérias como fontes serem todos escritos por
homens, Perrot novamente concorda com a dificuldade da produção em escrever a
historia das mulheres sob essa perspectiva, pois eram as únicas fontes
disponíveis para os estudos, ela da o exemplo de documentos obtidos quando um
comissário da policia relata que elas lutavam em manifestações, a realidade era
essa mesma? Elas gritavam mesmo ou ele estava ligado à idéia de que elas
somente gritavam? Mesmo com tantas discrepâncias, as fontes mudavam de acordo
com a temporalidade, como no caso da antiguidade eles serem escritos somente
por homens, tratando-se do período Greco romano as dificuldades foram maiores
ainda de encontrar um texto escrito por mulheres.
Um relato que chamou a atenção de Michelle Perrot foi
o de uma mulher que seria jogada aos leões e suplicava a sua mãe que cuidasse
de seu filho, na Idade Média por sua vez, existiam mais textos escritos por
mulheres, cita o cristianismo que indiretamente contribuiu para que isso
acontecesse através das abadessas nos seus conventos; com o passar do tempo, as
mulheres eram cada vez mais notadas pela sociedade ocidental, pois, toda vez
que escreviam tinham a palavra; dificuldades sempre existiram, mas eram
desiguais de acordo com os períodos. O medo dos homens sobre as mulheres
ocorria pelo fato de haver analogias delas não terem direito a palavra e a
escrita e quando isso acontecesse, eles teriam razoes para temê-las; Perrot é questionada
sobre essa tomada de palavras tido como um fenômeno social das ultimas décadas,
ela responde que as mulheres começaram a ter voz e palavra a partir da Idade
Média e não a partir das ultimas décadas, na verdade, uma minoria em relação ao
direto e a lei, isso mudou com o passar dos tempos paralelo as mudanças
ocorridas entre os sexos no decorrer da historia.
Araujo pergunta então sobre o significado da palavra
gênero, a historiadora responde eu sua matriz vem da raiz anglo-saxônica
(americana), e para os franceses ela particularmente apresenta uma dificuldade
por se tratar de uma categoria gramatical, mesmo assim é utilizada como
definidor de relação da diferença entre os sexos, afinal, um sexo só existe em
relação ao outro. Ela cita um convento, por exemplo, e pergunta onde esta
escrito que ele deve ser dirigido por mulheres, ela se questiona se um convento
seria administrado da mesma maneiro por homens? O conceito de virgindade era o
mesmo conceito de castidade? Sob essa perspectiva se trabalharia esses
problemas, não se esquecendo de observar que o gênero cultural e histórico se
opõe ao biológico. Sendo os homens e mulheres representações biológicas, era
interessante observar como essas relações se modificavam. A idéia de gênero é
uma idéia construída sob a cultura e a historia de questionamentos sobre
inicialmente sobre sexo, discurso, pratica, vida cotidiana, espaço publico e
privado, cidade, campo, burguesia, nobreza e classes muito bem colocado por
Perrot.
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Levi Straus |
Hermetes Araujo argumenta então que a noção de
humanidade sempre esteve vinculada ao home, mas que isso esta mudando, seria
uma “desvirilização” do homem em relação a história? Michelle Perrot sabiamente
sim e não, sim por que a historia foi escrita pelos homens e isso é um fato,
por isso a necessidade de desvirilizá-la e não pelo fato de somente eles terem
escrito a história das mulheres, é necessário que se reflita a relação dos
sexos, não querendo dizer com isso que a historia agora será somente escrita
pelas mulheres. Posteriormente ela é questionada sobre as filiações ocorridas
na História das Mulheres, quais seriam as linhagens históricas e suas
preocupações no contexto? Ela responde inicialmente que não foi a historia
enquanto disciplina mas a antropologia que teve esse papel inicialmente, estava
se referindo a Lévi Strauss, pois quando se coloca a relação família, vê-se
pais, homens, mulheres e filhos; George Duby que co-dirigiu o trabalho não via
as mulheres pela ótica feminista, eram os antropólogos que discutiam a relação
de diferença entre sexos e a filiação das mulheres era um movimento de
mulheres, essa historia não teria ocorrido se não fosse o movimento dos anos 70
nos EUA, França e outros países ocidentais.
A Escola dos Annais começou na França nos anos 30
interessando-se inicialmente pela historia econômica e social, sem se preocupar
inicialmente com as mulheres, ao se interessar posteriormente pelas
mentalidades é que ocorreu o interesse pela historia das mulheres, hoje esta é
o pivô das discussões, portanto não é verdade filiação e sim cumplicidade.
Perrot é questionada por uma colocação feita por ela nos anos 70 onde dizia que
o movimento operário francês serviu como marco histórico, depois colocou
recentemente que essa mesma classe operaria não era mais um ator nem sociológico
nem político, sugerindo que talvez não fosse mais um problema social, o que
isso significaria agora? Ela responde que na época que estava estudando a
história operária, a mulher não estava inicialmente em seu projeto, e sim
estudar a história dessa classe operária por ser mais numerosa e pobre, com o
passar do tempo é que esse interesse foi surgindo pela conscientização do papel
das mulheres, por isso a escolha das condições das mulheres, isso foi
despertado pelas condições que elas apresentavam e ela se viu concernida em
estudar essa temática feminista.
O que ocorreu foi que as classes operarias
foram sendo substituídas por maquinas e as empresas passaram a demandar agora
intelectuais, com maior capacitação o setor operariado foi minguando aos
poucos, agora essa classe não tinha mais futuro garantido, por isso a mudança
de tema. Perrot é questionada sobre a crise de valores nas sociedades
contemporâneas, como crise de idéias, progressão, verdade, a crise da própria
família, ela responde que na verdade a crise de valores é uma crise de perda de
referencia, a sociedade segundo a antropologia e historia sempre foi dominada
pelos homens, a crise de autoridade, de valores sociais é vista como um
desequilíbrio, afinal os sexos não são iguais, por isso a privação de valores.
Araujo pergunta se o humanismo tem lugar na história
de hoje, ela responde que a função da historia é critica e que durante muitos
anos ela acreditava no humanismo e no progresso, mesmo sabendo de coisas que
devem ser combatidas em nossas sociedades como os problemas democráticos e os
problemas de igualdade; diz ainda que o historiador deve ser mais critico sobre
as questões que são colocadas como verdades, há a necessidade de se engajar em
problemas contemporâneos, relacionados ao presente, afinal a historia é uma
relação do presente com o passado, a problemática com o historiador hoje é
pertinente a atualidade.
O entrevistador pergunta agora sobre essa relação
sobre o sexo no Brasil, e com o crescimento do feminismo existe a possibilidade
de uma nova sensibilidade masculina? Ela responde que sim, mesmo que isso
pareça uma hipótese, já é realidade; com a progressão das mulheres na
sociedade, ocorre a igualdade no caso das sociedades contemporâneas e isso pode
ser citado com a sociedade brasileira também. Mesmo sofrendo reveses machistas,
pelo fato dos homens estarem sendo “ameaçados”, é um comportamento de seu medo
por elas, isso pode levar a uma reação machista.
Em relação a essa reação, o entrevistador pergunta se
ela é otimista ou pessimista, ela responde que as mulheres sem sombra de duvida
nos últimos 30 anos ganharam terreno, pois, é muito maior o numero de mulheres
jovens, solteiras, com isso os homens se sentem acuados com essas mulheres,
dando a impressão de que elas querem tomar seus lugares no mundo masculino. Ao
estudar essa temática a fundo percebe-se mudanças na sociedade, mas em estudos
mais aprofundados percebe-se que as mudanças estão ainda longe de acontecerem,
ou seja, pode-se fazer escolhas mas sempre haverá um risco para as decisões
tomadas. Depois questionada sobre A história da vida privada e falando do
sucesso no Brasil e França e referindo-se a história das mulheres ele pergunta
qual a receptividade do publico por isso, ela novamente responde que esta feliz
pelo êxito de seu trabalho em países como Itália, Espanha e especialmente na
França onde não esperava por tanto sucesso já que o publico francês é deveras
exigente, em países de língua portuguesa ela ainda esta na expectativa pois o
livro ainda não foi publicado.
O entrevistador pergunta como foi organizado o
trabalho da História das mulheres, Perrot diz que inicialmente foi uma
encomenda italiana, a proposta surgiu entre 1987 e 1988, sendo inicialmente
feita a Georges Duby, ele compartilhou a idéia com ela, mas trabalharia somente
sob a perspectiva da Idade Média por não dominar totalmente o trabalho sobre
mulheres, por sua vez ela dominava perfeitamente esse campo, após muita
conversa a respeito do projeto, resolveram fazê-lo, dividindo-o em cinco volume
com cada volume sob a responsabilidade de duas organizadoras, Pauline Schmidtt
trabalhou a antiguidade, Geneviève Fraisse e Perrot trabalhara sobre o volume
do século XX, além de um vasto grupo de colaboradores.
Em relação as escolhas
resolveram estudar sobre a história de longa duração, desde a antiguidade aos
dias atuais; depois peridiorizaram a história ocidental, afinal, não havia
maneira de realizar isso de outra maneira. Posteriormente trabalharam o mundo
ocidental, a América Latina e EUA, com pouco material sobre a América Latina;
no volume espanhol do século XVI e XVII a problemática foi a exportação do
modelo ibérico para a America Latina, na Espanha do século XX estudou-se sobre
o franquismo e quase nada sobre Portugal e Brasil, em relação a America do
Norte, o século XVI foi o escolhido.
Hermetes Araujo pergunta então em quais países será
traduzido o livro, Perrot diz que será traduzido para nove países: Itália,
Inglaterra, Alemanha, Holanda, Grécia, Espanha e Portugal, o Japão ainda não
havia se decidido. Depois ele pergunta por que havia poucos homens na História
das mulheres, isso ocorreu pelo fato da história ser escrita somente pelas
mulheres? Ela diz que não, não há razão para que isso acontecesse, ela cita o
exemplo dos negros americanos escreverem sobre sua história, havia razões para
os brancos não fazerem isso, bem como a história da escravidão, ela explica que
não há motivo, alias, em reservar um domínio de classe, sexo ou categoria
étnica, assim não há razão para a historia ser escrita somente por mulheres, na
verdade isso não seria saudável se ocorresse somente por elas, tem que haver a
mutualidade de ambos para que isso ocorra.
REFERÊNCIA: PERROT, Michelle. Entrevista a Hermetes Araújo.
Revista Projeto Histórico nº 10.
Senhor leitor, todas as imagens foram retiradas do site de
pesquisa Google, não se sinta ofendido se por ventura, uma das imagens postadas
for sua, a intenção do blog é ilustrar didaticamente os textos e não plagiar as
imagens. Obrigado pela compreensão. TODOS OS DIREITOS AUTORAIS RECONHECIDOS.
Mr. reader, all images were taken from the Google search
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