A história Presente

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domingo, 10 de março de 2024

Entrevista com Michelle Perrot por Hermetes Araujo.

Hermetes Reis de Araújo inicia sua entrevista pontuando o lançamento do livro História da Mulheres nas livrarias francesas em 1992, este seria o sexto e ultimo livro de uma coleção que apresentava um estudo geral sobre a imagem da mulher na história, a obra foi coordenada por Michelle Perrot e Georges Duby; o livro é tido como um obra épica pois ele aborda temas desde a antiguidade até o século XX, um trabalho laborioso que contou com o auxilio aproximado de 70 historiadores de várias nacionalidades. Na época de seu lançamento, o Brasil ainda não tinha uma data definida para que isso acontecesse. O livro trata da diferença entre os sexos partindo de uma referencia critica, pois o sexo masculino sempre foi visto como ponto de partida universal em relação a tudo, por isso a necessidade desta obra desmistificar justamente a relação do gênero, com isso, pode-se ir além de retrancar a “categoria dominada”, podendo ver a identidade feminina mudar através da história no contexto de mudanças entre os sexos. O termo gênero é colocado como um conceito chave que confere a própria especificidade da relação entre os sexos na história do ocidente, por isso é primordial entender a evolução dessas sociedades em todas as esferas que a compõem.

O entrevistador inicia sua entrevista pontuando o ano de 1982, onde a escritora Michelle Perrot debatia a possibilidade de construção histórica das mulheres, hoje esse projeto já é uma realidade, ele questiona-a como isso foi possível, Perrot responde singelamente que se trabalhou muito, pois a existência de trabalhos sobre gênero era gigante, desde monografias até trabalhos que problematizam as teorias; progressivamente tiveram que aprofundar as questões a fundo, só isso já contribuía para os estudos da história das mulheres. Inicialmente segundo Perrot havia a duvida se realmente encontrariam as fontes, afina, em história é tudo uma questão de como os fatos são colocados; outra dificuldade apresentada pela entrevistada foi a de que não haviam registros de velhice ou juventude, pondo em xeque a questão da história das mulheres, mas graças a muito esforço isso foi possível através da persistência, com isso, através das pesquisas documentais os trabalhos se acumularam, agora havia analises o suficiente para que o projeto seguisse adiante.


O entrevistador pergunta agora sobre o amadurecimento da história das mulheres, Michelle Perrot, diz que num primeiro momento estava em duvida sobre haver historia das mulheres, pois as relações entre sexos mudavam periodicamente, mas foi possível sim fazer um relato sobre esses fatos, mais uma vez ela cita a importância das fontes, decodificando-as sob outro prisma. Araujo pergunta a respeito dos matérias como fontes serem todos escritos por homens, Perrot novamente concorda com a dificuldade da produção em escrever a historia das mulheres sob essa perspectiva, pois eram as únicas fontes disponíveis para os estudos, ela da o exemplo de documentos obtidos quando um comissário da policia relata que elas lutavam em manifestações, a realidade era essa mesma? Elas gritavam mesmo ou ele estava ligado à idéia de que elas somente gritavam? Mesmo com tantas discrepâncias, as fontes mudavam de acordo com a temporalidade, como no caso da antiguidade eles serem escritos somente por homens, tratando-se do período Greco romano as dificuldades foram maiores ainda de encontrar um texto escrito por mulheres. 

Um relato que chamou a atenção de Michelle Perrot foi o de uma mulher que seria jogada aos leões e suplicava a sua mãe que cuidasse de seu filho, na Idade Média por sua vez, existiam mais textos escritos por mulheres, cita o cristianismo que indiretamente contribuiu para que isso acontecesse através das abadessas nos seus conventos; com o passar do tempo, as mulheres eram cada vez mais notadas pela sociedade ocidental, pois, toda vez que escreviam tinham a palavra; dificuldades sempre existiram, mas eram desiguais de acordo com os períodos. O medo dos homens sobre as mulheres ocorria pelo fato de haver analogias delas não terem direito a palavra e a escrita e quando isso acontecesse, eles teriam razoes para temê-las; Perrot é questionada sobre essa tomada de palavras tido como um fenômeno social das ultimas décadas, ela responde que as mulheres começaram a ter voz e palavra a partir da Idade Média e não a partir das ultimas décadas, na verdade, uma minoria em relação ao direto e a lei, isso mudou com o passar dos tempos paralelo as mudanças ocorridas entre os sexos no decorrer da historia. 

Araujo pergunta então sobre o significado da palavra gênero, a historiadora responde eu sua matriz vem da raiz anglo-saxônica (americana), e para os franceses ela particularmente apresenta uma dificuldade por se tratar de uma categoria gramatical, mesmo assim é utilizada como definidor de relação da diferença entre os sexos, afinal, um sexo só existe em relação ao outro. Ela cita um convento, por exemplo, e pergunta onde esta escrito que ele deve ser dirigido por mulheres, ela se questiona se um convento seria administrado da mesma maneiro por homens? O conceito de virgindade era o mesmo conceito de castidade? Sob essa perspectiva se trabalharia esses problemas, não se esquecendo de observar que o gênero cultural e histórico se opõe ao biológico. Sendo os homens e mulheres representações biológicas, era interessante observar como essas relações se modificavam. A idéia de gênero é uma idéia construída sob a cultura e a historia de questionamentos sobre inicialmente sobre sexo, discurso, pratica, vida cotidiana, espaço publico e privado, cidade, campo, burguesia, nobreza e classes muito bem colocado por Perrot. 

Levi Straus
Hermetes Araujo argumenta então que a noção de humanidade sempre esteve vinculada ao home, mas que isso esta mudando, seria uma “desvirilização” do homem em relação a história? Michelle Perrot sabiamente sim e não, sim por que a historia foi escrita pelos homens e isso é um fato, por isso a necessidade de desvirilizá-la e não pelo fato de somente eles terem escrito a história das mulheres, é necessário que se reflita a relação dos sexos, não querendo dizer com isso que a historia agora será somente escrita pelas mulheres. Posteriormente ela é questionada sobre as filiações ocorridas na História das Mulheres, quais seriam as linhagens históricas e suas preocupações no contexto? Ela responde inicialmente que não foi a historia enquanto disciplina mas a antropologia que teve esse papel inicialmente, estava se referindo a Lévi Strauss, pois quando se coloca a relação família, vê-se pais, homens, mulheres e filhos; George Duby que co-dirigiu o trabalho não via as mulheres pela ótica feminista, eram os antropólogos que discutiam a relação de diferença entre sexos e a filiação das mulheres era um movimento de mulheres, essa historia não teria ocorrido se não fosse o movimento dos anos 70 nos EUA, França e outros países ocidentais. 

A Escola dos Annais começou na França nos anos 30 interessando-se inicialmente pela historia econômica e social, sem se preocupar inicialmente com as mulheres, ao se interessar posteriormente pelas mentalidades é que ocorreu o interesse pela historia das mulheres, hoje esta é o pivô das discussões, portanto não é verdade filiação e sim cumplicidade. Perrot é questionada por uma colocação feita por ela nos anos 70 onde dizia que o movimento operário francês serviu como marco histórico, depois colocou recentemente que essa mesma classe operaria não era mais um ator nem sociológico nem político, sugerindo que talvez não fosse mais um problema social, o que isso significaria agora? Ela responde que na época que estava estudando a história operária, a mulher não estava inicialmente em seu projeto, e sim estudar a história dessa classe operária por ser mais numerosa e pobre, com o passar do tempo é que esse interesse foi surgindo pela conscientização do papel das mulheres, por isso a escolha das condições das mulheres, isso foi despertado pelas condições que elas apresentavam e ela se viu concernida em estudar essa temática feminista. 

O que ocorreu foi que as classes operarias foram sendo substituídas por maquinas e as empresas passaram a demandar agora intelectuais, com maior capacitação o setor operariado foi minguando aos poucos, agora essa classe não tinha mais futuro garantido, por isso a mudança de tema. Perrot é questionada sobre a crise de valores nas sociedades contemporâneas, como crise de idéias, progressão, verdade, a crise da própria família, ela responde que na verdade a crise de valores é uma crise de perda de referencia, a sociedade segundo a antropologia e historia sempre foi dominada pelos homens, a crise de autoridade, de valores sociais é vista como um desequilíbrio, afinal os sexos não são iguais, por isso a privação de valores. 

Araujo pergunta se o humanismo tem lugar na história de hoje, ela responde que a função da historia é critica e que durante muitos anos ela acreditava no humanismo e no progresso, mesmo sabendo de coisas que devem ser combatidas em nossas sociedades como os problemas democráticos e os problemas de igualdade; diz ainda que o historiador deve ser mais critico sobre as questões que são colocadas como verdades, há a necessidade de se engajar em problemas contemporâneos, relacionados ao presente, afinal a historia é uma relação do presente com o passado, a problemática com o historiador hoje é pertinente a atualidade. 

O entrevistador pergunta agora sobre essa relação sobre o sexo no Brasil, e com o crescimento do feminismo existe a possibilidade de uma nova sensibilidade masculina? Ela responde que sim, mesmo que isso pareça uma hipótese, já é realidade; com a progressão das mulheres na sociedade, ocorre a igualdade no caso das sociedades contemporâneas e isso pode ser citado com a sociedade brasileira também. Mesmo sofrendo reveses machistas, pelo fato dos homens estarem sendo “ameaçados”, é um comportamento de seu medo por elas, isso pode levar a uma reação machista. 

Em relação a essa reação, o entrevistador pergunta se ela é otimista ou pessimista, ela responde que as mulheres sem sombra de duvida nos últimos 30 anos ganharam terreno, pois, é muito maior o numero de mulheres jovens, solteiras, com isso os homens se sentem acuados com essas mulheres, dando a impressão de que elas querem tomar seus lugares no mundo masculino. Ao estudar essa temática a fundo percebe-se mudanças na sociedade, mas em estudos mais aprofundados percebe-se que as mudanças estão ainda longe de acontecerem, ou seja, pode-se fazer escolhas mas sempre haverá um risco para as decisões tomadas. Depois questionada sobre A história da vida privada e falando do sucesso no Brasil e França e referindo-se a história das mulheres ele pergunta qual a receptividade do publico por isso, ela novamente responde que esta feliz pelo êxito de seu trabalho em países como Itália, Espanha e especialmente na França onde não esperava por tanto sucesso já que o publico francês é deveras exigente, em países de língua portuguesa ela ainda esta na expectativa pois o livro ainda não foi publicado. 

O entrevistador pergunta como foi organizado o trabalho da História das mulheres, Perrot diz que inicialmente foi uma encomenda italiana, a proposta surgiu entre 1987 e 1988, sendo inicialmente feita a Georges Duby, ele compartilhou a idéia com ela, mas trabalharia somente sob a perspectiva da Idade Média por não dominar totalmente o trabalho sobre mulheres, por sua vez ela dominava perfeitamente esse campo, após muita conversa a respeito do projeto, resolveram fazê-lo, dividindo-o em cinco volume com cada volume sob a responsabilidade de duas organizadoras, Pauline Schmidtt trabalhou a antiguidade, Geneviève Fraisse e Perrot trabalhara sobre o volume do século XX, além de um vasto grupo de colaboradores. 

Em relação as escolhas resolveram estudar sobre a história de longa duração, desde a antiguidade aos dias atuais; depois peridiorizaram a história ocidental, afinal, não havia maneira de realizar isso de outra maneira. Posteriormente trabalharam o mundo ocidental, a América Latina e EUA, com pouco material sobre a América Latina; no volume espanhol do século XVI e XVII a problemática foi a exportação do modelo ibérico para a America Latina, na Espanha do século XX estudou-se sobre o franquismo e quase nada sobre Portugal e Brasil, em relação a America do Norte, o século XVI foi o escolhido.

Hermetes Araujo pergunta então em quais países será traduzido o livro, Perrot diz que será traduzido para nove países: Itália, Inglaterra, Alemanha, Holanda, Grécia, Espanha e Portugal, o Japão ainda não havia se decidido. Depois ele pergunta por que havia poucos homens na História das mulheres, isso ocorreu pelo fato da história ser escrita somente pelas mulheres? Ela diz que não, não há razão para que isso acontecesse, ela cita o exemplo dos negros americanos escreverem sobre sua história, havia razões para os brancos não fazerem isso, bem como a história da escravidão, ela explica que não há motivo, alias, em reservar um domínio de classe, sexo ou categoria étnica, assim não há razão para a historia ser escrita somente por mulheres, na verdade isso não seria saudável se ocorresse somente por elas, tem que haver a mutualidade de ambos para que isso ocorra.


REFERÊNCIAPERROT, Michelle. Entrevista a Hermetes Araújo. Revista Projeto Histórico nº 10.

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