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sexta-feira, 22 de março de 2013

O coronelismo numa interpretação sociológica

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'' Eu não sou homem que recuse elogios. Amo-os; eles fazem bem à alma e até ao corpo. As melhores digestões da minha vida são as dos jantares em que sou brindado''. Machado de Assis

O coronelismo numa interpretação sociológica 
Esta prática de política ocorreu no período da Primeira República, tendo como origem o ranço do império português, esse sistema de mandonismo funcionou como uma grande intensidade após a proclamação da republica e persistiu por décadas através do controle do voto; a constituição de 1981 instituiu o voto a todo brasileiro que fosse alfabetizado com o objetivo de fazer desaparecer as antigas barreiras econômicas e políticas, pelo menos na pratica, eles poderiam exprimir suas escolhas através do voto.

Essa antiga base eleitoral ocorria através dos chefes políticos locais e regionais e estas continuaram as mesmas até depois das mudanças políticas do país, elegendo através das câmaras os representantes do Estado, Senado através dos parentes e aliados. Essa prática persistia através das figuras dos coronéis com origem na extinta Guarda Nacional criada para defender a constituição e auxiliar a manutenção contra os revoltosos, por isso a necessidade de um policiamento regional.


Essa guarda nacional no interior funcionava como um poder paralelo de controle a estrutura sócio econômica da região em que se encontrava, mesmo extinta oficialmente com a republica, essa pratica continuou aos antigos e os novos donos do poder. A figura do coronel servia como referencia a distribuição social do individuo no espaço social, era tido como o elemento chave nas linhas das políticas divisórias entre grupos e subgrupos da estrutura tradicional brasileira.



A estrutura do coronelismo como uma estrutura de clientela política 
O coronel era definido pelo seu poder político através dos eleitores pelo qual ele controlava para ele, isso era tido como uma forma de proteger os eleitores e seus votos do local onde habitavam; a hierarquia subdividia-se em três níveis, os coronéis, abaixo deles os cabos eleitorais e na base política os eleitores. Segundo Jean Blondel, o coronel fortificava-se nesta estrutura através do domínio do sistema organizado dos cabos eleitorais que transmitiam aos eleitores as ordens de como eles deveriam agir no dia da eleição.


Em seguida o chefe político dominava os indivíduos através do turno de forma indireta através do cargo mais elevado que o dele, pois ele não sabe se ele recolhera todos os votos. Existe ainda a dominação colegial onde cada membro da família domina a sua zona eleitora, fato este que se distingue por não haver um chefe propriamente dito, então o controle é mais aristocrático do que monárquico.


Quando esse controle do coronel é absoluto sobre os eleitores, ele tem domínio total da situação e do resultado da eleição, para entender como essa sistemática funcionava, é necessário entender qual era o grau de comando nas famílias e como funcionava o esquema de defesa dos eleitores, mas segundo o autor, havia casos em que o “pau mandado” nem sempre era submetido a esse poderio todo.


O coronelismo fazia parte de uma política formada pelo “cartel” dos “mandonistas locais brasileiros” onde eles atingiam a sua plena expansão e plenitude, essa política era exercida rigidamente e diretamente sobre seus subordinados, visto que eles por sua vez procuravam satisfazer os desejos dos eleitores em troca do voto. Era normal em período de eleições os chefes políticos saírem em carreatas com os cabos eleitorais presentearem os eleitores com brindes como botinas para os homes e retalhos de tecido para as mulheres bem como brinquedos para as crianças; entregavam ainda um envelope com a cédula de voto e dinheiro.


Aos alfabetizados a conquista de escolha implantaria um sistema que confirmasse a opinião do eleitor, votando aos candidatos que lhes parecessem mais aptos, ampliando o voto como bem de troca, pois se ele não havia recebido o beneficio, era garantido que futuramente recebesse; isso era possível por que a lei de barganha restringia o voto aos analfabetos indiscriminadamente.


Nas fazendas havia os grupos de capangas que obedeciam aos coronéis de alto posto, enquanto que os de menor poder obedeciam com o resto dos analfabetos através de sua lei, estes eram formados por sitiantes das zonas rurais, pequenos funcionários, vendeiros nos pequenos núcleos dos vilarejos que constituíam essa camada analfabeta. Os pequenos coronéis muitas vezes se sentiam “melindrados’ pelos grandes coronéis, por isso era freqüente o abandono desse coronel maior e se juntar a uma clientela menor por ter seu brio ofendido.


Essa pratica permitia aos grandes e médios coronéis um comportamento diplomático e paternalista com seus subordinados. Com os eleitores menores o voto era um bem de troca, com o cidadão alfabetizado o voto era expresso pela afirmação pessoal de opinião. Se o coronel fosse da situação, tinha liberdade para fazer o que quisesse e nada lhes aconteceria se fosse da oposição, eram perseguidos, maltratados, aprisionados e não raramente mortos, essa violência era sempre velada. O fato era de que os coronéis se “devoravam” entre si e às vezes seus apaziguados, eles se embrenhavam em batalhas sangrentas, a primeira republica se caracteriza muito mais pela opressão desses coronéis do que pela historia em si.



A origem da estrutura coronelística: os grupos de parentela 
A figura do coronel era mantida ainda pelo apoio dos parentes, formados por indivíduos com grau de parentesco entre si e por laços carnais, espirituais (compadres) e de alianças (casamento). A maioria descendia do mesmo tronco, bem como os vínculos de apadrinhamento através dos afilhados. Essa parentela era formada por núcleos familiares consangüíneos e por grandes famílias que ultrapassavam o grupo pai, mãe, filho, vivendo cada um sua realidade nuclear independente das distancias uma das outras, as distancias não influenciariam os laços e obrigações recíprocas desses integrantes.


O lócus desses coronéis eram as vilas onde eles moravam, nesses locais funcionavam a sede de seu poder político, cercaneando a câmara, tida como objetivo único das famílias através das disputas das famílias. O poder desse coronel se estendia não apenas ao individuo com grande soma de poder econômico, mas também nas camadas superiores de suas parentelas, essas detinham vantagens econômicas sobre os outros.


Cada grupo apresentava características especificas interligada pelos poderes políticos e econômicos dos parentes, assim a estrutura econômica e política se diferenciariam das atividades nos outros setores, dessa maneira, eles garantiriam a sociedade o funcionamento de acordo com suas características. Essa pratica porem não garantiria a tranqüilidade entre esses familiares, quando algo sairia “fora do controle”, acabavam resolvendo suas diferenças na base da violência.


As relações eram baseadas em alianças e laços afetivos pelo interesse econômico e político, essas praticas denotavam as ambições de mando ou posse. Entende-se ainda que a ascensão a esse posto não é marcada por herança, onde o filho do coronel pode substituí-lo dentro desse grupo de parentes, mas pode variar de acordo com as qualidades dos futuros pretendentes, desde que eles tenham as mesmas qualidades socioeconômico.


Essa ordem hierárquica não obedece a uma ordem estática e imóvel, ela pode variar inclusive através de camadas socioeconômicas com ascensão e descidas, podendo ser constituída por fragmentos de poder, formando assim dois futuros blocos de inimigos formados por parentes. No interior desses grupos existem ainda as “pirâmides familiares” baseada através da solidariedade baseados na independência desses grupos com atividades econômicas determinadas pela posição social.


Através desses grupos eram determinados as uniões ou afastamentos por que a maioria dos coronéis tendiam a ser chefes, para isso, eles defenderiam suas idéias com as convicções de ambições pessoais, econômicas e políticas e ainda pela lealdade e amizade pela família. As famílias desses coronéis viviam os extremos dessa política mandatória, sendo necessário o mínimo de interesse econômico para desencadear conflitos entre pais e filhos.


Essa violência era tida como normal nesse período, na maioria das vezes tudo era resolvido com ajustes violentos por causa das modalidades tradicionais, herança da alta e baixa sociedade brasileira; essa pratica denotava como esses indivíduos agiam e pensavam, a realidade brasileira foi moldada sobre esse tipo de poder abusivo.


As discórdias entre os parentes e grupos rivais eram usadas como luta para desencadear o desmantelamento dessas próprias camadas, era raro uma camada formar-se com outra, pois essas disputas serviam justamente para desviar esses grupos das camadas inferiores e superiores.Através desses conflitos surgiam novos coronéis e como a terra no período era vasta, os derrotados se embrenhavam no sertão seguidos de seus familiares até achar terras e aí poderiam se estabelecer sem serem incomodados até que formassem novos grupos, essa era a sistemática da sociedade brasileira colonial.


Solidariedade e conflito faziam parte do dia a dia desses coronéis, mostrando a mesma face numa moeda, são sentimentos que ditam a ordem desses senhores paradoxalmente vivem sob a égide da violência que tem por finalidade destruir o oponente; eram ideais mantidos pela estrutura brasileira dessas parentelas com base no sistema coronelístico. Com o tempo essa relações eram fortalecidas acomodando-se sucessivamente na colônia do império e depois republica, ficando o pensamento da época: “para os amigos tudo, para os inimigos o rigor da lei”.



O fundamento da estrutura coronelística: a posse dos bens de fortuna 
A principal característica dos coronéis no período da Primeira República era de fazer favores, quanto mais eles praticavam isso, mais prestigio e poder eles tinham na hierarquia política, podendo galgar por cargos nas esferas municipais, estaduais ou federais.


Outro dispositivo utilizado pelo coronelato foi o casamento, eles ocorriam de duas maneiras: poderiam acontecer dentro desses grupos familiares entre tios e sobrinhas, primos e primas, essa pratica se estendeu até meados de 1919, essa pratica havia se tornado tão comum que as pessoas ficavam abismadas e escandalizadas, comparando esse tipo de comportamento ao reino animal, pois os pais usavam as  próprias filhas para seu objetivo.


A segunda maneira era o casamento fora da parentela, assim os novos membros passavam a ser “parentes”, agora ligados tanto pela economia como pela política, podendo atingir o status de domínio a soma dessas famílias. O casamento era uma importante arma para a ascensão social a quem não pertencia a esse grupo original, podendo ser um forasteiro com destaque.


A distancia geográfica não implicaria em ser problema, buscar a mulher ou o marido em longas distancias representava manter laços e possivelmente políticas comerciais em outros lugares. As viagens eram constantes de uma propriedade rural a outra, ora para fazer negócios, ora para visitar parentes, assim permitia ao jovem relacionarem-se e propiciar novos casamentos com parentela alheias criando novos grupos sócio econômicos de outras regiões.


Mais importante ainda que o próprio casamento fosse à posse de fortuna, tinha-se a impressão que ocorria mais os negócios do que os casamentos em si, do que qualquer outra atividade econômica, isso pesou fortemente nesse tipo de negocio em todos os períodos da historia brasileira.


Os forasteiros que chegassem a esses locais e aí permanecessem para comercializar mercadorias iniciavam sem saber novos caminhos para a política local, tendo em mãos uma clientela natural de compradores onde poderia negociar com eles através do “fiado” desde as pessoas humildes até os figurões da localidade, assim essas camadas seriam ligadas ao comerciante que agora ocuparia uma posição política chave servindo facilmente de cabo eleitoral, ao passo que aumentava sua fortuna e se incluiria na elite dos coronéis locais. Fortuna, parentela e profissões liberais eram oriundas desde o período colonial até os dias atuais.



Com os novos rumos da política brasileira, os coronéis foram paulatinamente perdendo partes do poder que tinham inicialmente, nessas mudanças políticas seu poder judiciário, o alistamento eleitoral e apuração perderam as funções administrativas por causa das novas administrações e instituições reformadas, mesmo padecendo por processos parecidos pelos mesmos vícios, eles indiretamente estavam subordinados ao mandonismo local e pouco a pouco se libertariam principalmente em regiões ricas e urbanizadas.


Cada instituição agora era legislada por leis próprias, afastando cada vez mais os antigos vícios do mandonismo graças ao advento da independência, toda a dinâmica agora girava em torno do crescimento urbano e da quantidade de funções e ocupações que essas atividades proporcionariam; a independência estabeleceu ainda garantias de mobilidade, vitalidade e irredutibilidade que os juízes federais passariam a gozar e em 1926 estendeu-se aos juízes federais.


Esses novos cargos não poderiam mais ser ameaçados pelos ou perseguidos pelos coronéis locais, na tentativa de suprimi-los, expulsá-los ou expulsá-los aos confins do Estado para serem subjugados pela influencia demasiada opressora desses figurões mandões.O crescimento demográfico e urbano com o tempo serviu para minar o poder mandatório, arruinando o poder local desses coronéis, criando agora um movimento de oposição da sociedade, em suma, seus dias estavam fadados em um futuro próximo ao desaparecimento ou no mínimo estava selado. Além dos serviços urbanos como os criados pelas estradas de ferro, bancos e indústrias, capital estrangeiro e até mesmo a competição com grupos de parentelas rivais, eles estavam se dirigindo para seu declínio.


No século XX isso piorou por causa das organizações patronais, patronato agrícola, federação de indústrias e associações de classes, nesse ínterim, até mesmo os coronéis rivais apareceriam para colaborar com a nova sociedade que estava se estabelecendo, esse fato foi inédito, pois havia colocado lado a lado antigos rivais que agora lutavam pelos mesmos ideais contra seus antigos desafetos.


Em suma, os fatos que contribuíram para a decadência do coronelismo foram forjados muito tempo ante, não sendo um episodio inédito, e sim a somatória de vários fatores com menor ou maior intensidade em todo o país como o crescimento demográfico, a urbanização, industrialização, o processo da independência e as particularidades de cada região.


A força política dos coronéis atingiu seu ápice, estagnou e decaiu, esses eventos locais e temporais caminhavam para a nova realidade da republica paralelo ao novo poder econômico em que a nação propiciava. O desaparecimento desse personagem foi lento, progressivo e irregular, sendo que na metade do século XX quase não existiam mais coronéis para os mandos e desmandos a seu bell prazer, ou seja, já foram tarde.







QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. "O Coronelismo numa Interpretação Sociológica", in B. Fausto (org.), História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III, vol. 1. São Paulo, Difel, 1975. Pp. 155-190.